III
Essa máxima meu pai sempre me falava:
"Dado é dado, vendido é vendido e emprestado é emprestado". As vezes
eu não compreendia o porquê de papai repetir essa frase, talvez, pela pouca
idade que eu ainda tinha. A Rua Pe. Antônio Borges, aqui em Cortês, foi palco
de muitas conversas com ele, que mesmo sendo de pouca conversa, as vezes
falava-me apenas com o silêncio. Mas eu me lembrei desse aforismo, digamos
assim, quando tomei conhecimento de gestos de pessoas que gostam de dar o que
tem, ou as vezes até vender ou emprestar. Falo dar, vender ou emprestar, não me
referindo apenas a objetos, ou seja, bens materiais, mas isso também inclui um
favor, uma palavra, até mesmo uma sugestão ou conselho. Pois bem, nenhuma das
coisas que citei se enquadra na história que narrarei adiante. E dos três
verbos ou vícios, se assim pudermos chamar, o que vou me ater nesta narrativa é
o verbo "vender", mas dependendo do ponto de vista, ele poderá ser
substituído pelo verbo emprestar, mesmo que temporariamente.
O assunto, iniciando os pormenores,
relaciona-se a venda de votos. Vejamos bem: Fulana de tal vendeu seu voto por
um valor qualquer, Ciclano recebeu uma gorjeta irrisória para votar em um
crápula qualquer e ainda Beltrano trocou sua dignidade por uma consequência
alarmante: mais de mil dedos sujos apontados para ele quando caminha pelas ruas
da sua cidade. Mas o mais alarmante é que essa história não se trata apenas de
pessoas ditas "pobres". Nesse meio todo tipo de gente se envolve e
comete o pecado originário de todas as desigualdades que a gente vê por aí.
Outro dia, caminhando pela Rua da Concórdia em Recife, pensei que iria adoecer
dos pulmões por inalar tanto mau cheiro brotado das calçadas. Será que a venda
de voto não gera esse tipo de problema urbano? Ainda bem que aqui em Cortês
ninguém vende o voto. É confortante saber disso, principalmente em uma pequena
cidade da Mata Sul Pernambucana, onde a maioria das pessoas pensa livremente e
que de maneira nenhuma pagam um preço nem são punidos em razão das suas ideias.
Mas para encurtar a conversa, sei que pessoas de posses materiais,
independência financeira e emancipadas da cidade que resido desde que nasci não
se passam a prestar um papel desses. É claro que em uma outra cidade, a qual
não desejo registrar aqui o nome por questão de ética, essa realidade é
completamente o contrário. Aqui em Cortês não, mas lá, até professores vendem
seus votos. Outros trocam coisas mais valiosas do que suas dignidades. Ainda
outras pessoas, casadas, solteiras, desempregadas, analfabetas, diaristas,
muita gente mesmo, trocam seus votos por aquilo que lhes faltam no momento, às
vezes, o valor de três papéis de energia, um aluguel atrasado, um cargo de
secretário e secretária na prefeitura, uma volta em algum motel nas redondezas
da cidade vizinha, uma carteira de cigarro acompanhado por uma caixa de
espumante. Mas graças a Deus aqui em Cortês não se vê isso. Talvez, Cortês seja
a única cidade pernambucana, não, brasileira, a não manchar sua história com
atos de compra e venda de voto. Mas se os políticos fizeram do voto uma
mercadoria, aparecerão consumidores de todos os escrúpulos, com ou sem
necessidades, apaixonados ou não por política.
Quando se aproximam os períodos
eleitorais, eu faço questão de sair da minha casa para ouvir as propostas dos
candidatos, que por sinal, são todas dignas de compor até uma página da
"Carta da Terra" ou até mesmo do Código Universal dos Direitos
Humanos. Falo isto em todos os sentidos, pois além de serem dignos os discursos
(todos eles), são estruturados de coesão, coerência e de um nível linguístico
sensacional. Cortês é exemplo, nesse e em outros aspectos. Aqui ninguém deseja
que o adversário morra, que dê outra enchente para vir mais dinheiro para a
cidade, aqui ninguém vende o voto, que é fundamental. Eu aprendi muito com meu
pai, que só estudou até a quarta série do antigo primário. Uma das coisas que
aprendi direito foi não vender, dar nem emprestar meu voto, mas a avaliar em
quem vou votar. Até hoje já me arrependi muitas vezes em ter depositado votos
em urnas eletrônicas. Mas vou escrever meu desfeche citando um aforismo da
minha autoria postado em um outro blogger meu que
se encaixa muito bem a minhas idéias e minhas ações: "Minhas palavras não são como pedras lançadas que
não mais retrocedem. Sempre escrevo com lápis e borracha para corrigir as
ortografias equivocadas". E isto se dá em vários níveis. Ainda bem que sei muito
bem o que se deve dar, vender e emprestar. Imagina se eu não soubesse. Mas
agradeço muito a Anísio Teixeira, pois aprendi com ele a não ter compromisso
com as minhas idéias, e sou grato a Darcy Ribeiro, pois também aprendi com ele
que quem carrega suas verdades não estar apto a mudar de opinião, mesmo quando
é necessário, por isso, "sempre escrevo com lápis e borracha para corrigir
as ortografias equivocadas", e isto, claramente, também vale para as
minhas ações...
Fábio de Carvalho [Maranhão]
15/01/2017, 13h27min - Domingo,
Cortês-PE, Escritório de Trabalho [Biblioteca Particular].
Viva Cortês e sua gente incorruptível. Viva o poeta cronista e professor, violeiro e também cantador. Viva!!!!
ResponderExcluirZé, um grande abraço para o amigo! E aquela nossa canção precisa sair.Viva "Zé Ripe, grande Artista Palmarense, terra onde nasci!
Excluir