Eu passei boa parte da minha vida
ouvindo minha Mãe e minha Tia dizendo: “Laranja
serve para empachamento”, “É bom comer pelo menos um pedaço da casca da manga
que você chupar”, “Lambedor bom é o de
abacaxi”, “Bom mesmo para o fígado é não abusar de óleo, comida velha ou
cachaça”, “Quando der azia, chupa limão”, “Soluço se cura com susto”...
*
Não é de impressionar, pois esses
ensinamentos muita gente tem aprendido de geração em geração, e é dessa forma,
se redesenha a cresça, a cultura e até a esperança de outros tempos. Vale dizer,
que testei cada ensinamento citado acima, e logo pude perceber que escutar os mais velhos é o mesmo que evitar
uma guerra ou uma simples indisposição gerada por excessos ou descuidos. Naturalmente,
quando se é bem jovem, tudo que nos ensinam vira uma espécie de referência para
nós, que em algum momento usaremos na vida prática. Outro dia mesmo, curei o
soluço de uma aluna na escola onde trabalho há quase nove anos. A escola Santo
Antônio, situada na Zona Rural da Cidade de Cortês, numa Agrovila chamada de
Barra de Jangada, terra onde o senhor Severino Rodrigues de Moura residiu por
muito tempo, deixando um legado exemplos diversos para quem conhece sua
história. Foi seu Moura quem me lançou oficialmente poeta, a pedido de Papai,
quando em uma conversa com meu velho, tomando uma cerveja expressei minha
vontade de lançar um livro de poesia, e sabendo que seu Severino tinha muito
apreço a papai através de Tia Irene, lhe perguntei se ele não poderia falar com
ele para me indicar a uma editora, já que naquele tempo, meu conhecimento sobre
os caminhos editoriais eram tão rasos quanto o acesso à internet. O tempo passou
e papai me levou em Caruarú, em casa do escritor amigo, onde fomos recebidos
com muita educação. Lembro que onde seu Moura residia, mesmo em frente à sua
casa havia um edifício, se a memória não me falha, chamado Edifício Machado de
Assis. Arrepiei-me quando vi, pois àquelas alturas eu já lia o escritor de Dom
Casmurro, Helena, Ressurreição, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba,
A Mão e a Luva, Crisálidas, Falenas e Americanas, Relíquias de Casa Velha entre
tantos outros. Eu devorei por inteiro a obra de Machado, e não falo isso com
vaidade, mas com orgulho, pois se não fossem essas leituras, eu jamais seria o
que sou hoje no campo acadêmico e literário. Até já registrei que o amigo
Luizinho foi quem me presenteou com o clássico machadiano, que lançou para nós
o desafio de buscar conclusões a respeito da suposta traição de Capitú, cuja
personagem, acompanhada de Bentinho, Escobar e Sancha compuseram uma grandiosa
página da história da literatura brasileira. Eu entendi aquilo como um sinal
superior. Justamente “Machado de Assis”, o edifício?!...
*
Conversamos cerca de quase quarenta
minutos na área externa de visita da casa de seu Moura, e para resumir, essa
visita me rendeu uma nota biográfica curta e duas poesias no livro sobre
Cortês, intitulado “Cortês, Cidade do Rio e das Serras”, que seu Moura lançara
no Salão Nobre da Prefeitura Municipal de Cortês José Valença Borba no ano
2002. Lembro como se fosse hoje: 500 exemplares sobre uma mesa, onde a sua
maioria estava autografado para ser entregue após o final do lançamento. A parte
lamentável foi que em um dado momento, em parte de um discurso, um ex-prefeito
de Cortês fora ofendido, onde não sei se a infelicidade discursiva fora por
conta do calor do momento, com objetivo de agradar a outras partes, mas com
referências que expuseram a vida pessoal do senhor Eronides Campos, um vereador
na época e também irmão do ex-prefeito, levanta-se de maneira clássica, em
seguida, cumprimenta algumas pessoas que compunham a mesa e retira educadamente.
As pessoas que estavam lá, sabem quem proferiu o discurso, e sem alongar muito
essa conversa, registro que lamento profundamente a atitude, porém, sem levar
isso comigo como algo que pareça raiva ou tentativa de desconsiderar ninguém.
Se fosse comigo, eu faria como falou Chico Xavier quando ele nos disse através
do seu guia espiritual “Deixa um sinal de
alegria por onde passa”.
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Mas retornando aos remédios caseiros,
lembro muito bem quando em um período junino, ralamos milho seco para fazer cuscuz
sangue puro, tia Irene e eu, fizemos pamonha, canjica, bolo de milho e milho
cozinhado. Se houve mais alguma coisa não me recordo. O café não podia faltar.
Minha tia não arriava duas garrafas cheias em cima da mesa amarela de quatro
cadeiras que havia no começo da cozinha. Dona Ídes, dona Maria da Água se
fossem vivas, não me deixariam mentir. Mas tem muita gente ainda que acompanhou
essa história e que sentou naquelas cadeiras para tomar café conosco e falar
desde as viagens ao Juazeiro até os remédios caseiros. Mas esse dia ficou
marcado por causa da prosa que tivemos sobre essas plantas, que no linguajar de
tia Irene, eram matos.
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Sabe para que serve pião roxo?
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Não, titia...
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Serve para muita coisa, uma das coisas é para proteger a casa, os pés de
frutas, até a gente mesmo. Os índios são sabidos nesse assunto.
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Os índios?
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Os índios conhecem todo tipo de mato e para que cada um serve. Mas o mais
importante não é só conhecer e saber para que cada um serve, é bom saber fazer
os remédios.
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É difícil, titia?
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O tempo ensina, Fábio...
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Após cada dedo de prosa, eu aprendia
mais uma coisa com tia Irene. Ela como era de idade sabia muito bem o que
estava dizendo. Eu, bem jovem, acreditando e tomando nota mental de tudo, tive
a oportunidade de ampliar meu conhecimento acerca de muita coisa que muita
gente hoje, na minha idade, não sabe... Mas o mais interessante de tudo isso, é
que uma coisa ficou na minha mente, e que eu faço questão de registrar para
que, quem tomar conhecimento, faça uma reflexão, e que essa reflexão seja
válida à sua vida prática.
Tia Irene me contou uma história. A
história se passou a pelo menos, contando da data em que ela me havia contado,
uns cinquenta e seis ou cinquenta e oito anos. Aconteceu no engenho Cruz, onde
meu bisavô Guilherme Felipe Teixeira e minha bisavó Lídia Teixeira de Carvalho criaram
dentre seus filhos, Irene, Rogaciano, Julivaldo e Felisberto, meu avó, pai da
minha mãe, além de Eládio, que falecera aos cinco anos de idade e mais quase
vinte filhos adotivos entre sobrinhos, afilhados e outros que não tiveram a
bênção de serem criados pelo pai e pela e pela mãe. Tia Irene, sendo a mais
velha, ajudou a criar todos e deu continuidade a prática angelical, cuja
sentença maior, foi lhe dada por Deus, em viver uma vida de caridade. Terminou
seu feito, comigo sendo o último sobrinho que ajudou a criar e a educar, na
casa em que hoje resido, na avenida São Francisco, em Cortês-PE, parte do chão
da minha infância e juventude, pois a outra parte é na rua Padre Antônio
Borges, onde meu papai e minha mãe construíram o lar da nossa convivência e
construção das nossas vidas. Mas voltando a história, - e que história!! -, vou
encher uma xícara de café para tomar fôlego e escrever pela primeira vez uma
narrativa sobre essa prosa, que tanto me ensinou quanto me fez enxergar algumas
coisas além, coisas essas que só passamos a perceber ou a compreender ou quando
a experiência nos pesa os ombros ou quando alguém nos abre os olhos e escreve
em nossas vidas uma parte da sua história ao dividir suas próprias experiências...
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Antes do meio dia de um dia de meio de
semana, estavam todos sentados à mesa para almoçarem. Tanto minha vó quanto
minha tia tinham muitos afilhados e afilhadas, e como era de costume, talvez
uma questão cultural da época, as casas dos padrinhos sempre recebiam visitas
dos afilhados e afilhadas constantemente, fato que hoje é muito diferente, até
porque as relações humanas tem sido modificadas por muitos motivos, entre eles,
como diria um sambista carioca, uma constante crise da consideração. Até mesmo
a famosa profecia da gentileza não é posta em prática. O profeta se foi, deixou
a mensagem, porém, a coisa anda muito diferente do que deveria ser. Aquele dia
ficou marcado para minha tia, pois lhe levaram um dos seus afilhados, no
engenho, em pleno meio dia, justamente antes de todos terminarem o almoço, ela
com seu jeito, só sentava para almoçar quando todos já estavam sentados e
servidos. Demorou mais do que o habitual, e como se pressentisse algo, não
havia chegado fome àquelas alturas. A história se inicia quando falou sobre
esse afilhado que segundo ela e todos que residiam no Cruz e nas redondezas,
dava muito trabalho ao seu pai, o senhor Jacobino, conhecido por seu Jacó e seu
Bino, cortador de cana e tirador de conta, e dona Higina, conhecida pela
maioria por dona Galega. Ele, um afrodescendente trabalhador, ela uma galega,
descendente de portugueses, escrava do rio onde lavava roupas e as louças e do
fogão de lenha. Falavam que ela gostava de se divertir na calada, até falaram
que o filho Juvenal Higino não era filho de seu Jacó. Mas isso já é outra
história, e a história que Tia Irene me contou é curta, mas deixa uma lição para
a vida. Ela começou a história me dizendo que...
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Naquele tempo, sabe como era que as pessoas resolviam problemas com quem andava
fazendo mal feitos?
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Dei com os ombros para cima.
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Pois é. O menino de comadre Higina era buliçoso. Gostava de mexer no que era
dos outros. Não faltava corrigenda de compadre Jacó. Outro dia mesmo ele veio
aqui conversar com pai para pai dá conselhos a ele. Ele só respeitava pai, mãe
e eu. O resto para ele era coisa qualquer. Não sei porque Juvenal aprontava
tanto. Não podia ver uma galinha. Gorda ou magra ele passava a mão. Não sei
quem ensinou àquele menino a fazer cabidela. Uma vez ele trouxe uma porção para
pai e mãe numa panelinha de barro, já para mim foi numa panela de alumínio, sem
o sangue, pois ele sabia que eu não gostava de molho pardo, e lembrando isso,
quis agradar a sua madrinha. Dias depois só ouvimos os gritos no terreiro: “Ladrão de galinha!”, “Pega o ladrão de
galinha!”... Naquela hora que me arrepiei e lembrei-me da galinha guisada e
da cabidela. Fui me confessar no outro dia. Não dormi àquela noite.
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O menino Julião era mão leve. E como
naquele tempo se resolvia ou considerando o pai e a mãe de quem praticava essas
coisas ou o buraco era mais embaixo. A confusão foi grande...
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Não se pode mexer nas coisas dos outros, Fábio! Não esqueça disso!
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Eu sei, tia! Não vou esquecer isso não.
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O desfeche da história foi lamentável.
Passados quase três meses da saída do senhor Jacobino e de dona Higina, Julião
ficou perambulando no Cruz, chegando para visitar meu bisavô e minha bisavó
sempre nas horas das refeições, depois sumia e só chegava no horário da
refeição seguinte. Dormia na choupana que fora dos seus pais, mas todo o resto
era na casa da minha família. Casa com 18 janelões, três salas, duas cozinhas,
8 quartos, alpendre, área de fundos... Era uma verdadeira mansão. Meu avô tinha
um barracão, e vendia com frequência a toda aquela gente que chegando com ou
sem dinheiro, levavam a mercadoria. Meu bisa Guilherme nunca negava uma venda a
seu ninguém e ninguém lhe passava caranha. Outro dia eu ouvi em surdina, que um
homem que devia um valor lá na venda, após ter desencarnado, apareceu com uma
moeda na mão direita para pagar a dívida. Não sei como se deu se deu o desfeche
dessa conversa, pois quando tia Irene conversou isso com minha mãe eu era muito
pequeno, por isso só me lembro desse detalhe. Mas entre as idas e os sumiços
aquele foi o ultimo dia em que ele visitou o chalé do Engenho Cruz...
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De tanto mexer no que era dos outros, chegou lá em casa, no engenho, na frente
do alpendre principal, dentro de um saco enorme, uma espécie de matulão, só que
daqueles que aparece na música de Luiz Gonzaga, onde cabe tudo dentro dele. Mas
o pior não foi isso. Julião chegou sendo arrastado dentro de um saco através de
um cavalo. A cena foi horrível. Mãe chorou feito uma desesperada. Pai ficou ao
pé do Alpendre, no lado direito. Coçou mais a cabeça do que se tivesse piolho
ou pulga-de-bicho. Ninguém contestou nada. O sujeito que o arrastou nada tinha
que ver com isso. Ele apenas mirou nos olhos dos olhos de Pai e disse as
seguintes palavras.
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Não foi falta de aviso, não foi seu Guilherme?
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Foi-se cedo. Não deu tempo sequer ver
um filho nascer ou algo mais. Meu avô, como quem não pensasse para falar, disse
apenas que quando uma andorinha se separa das outras, é sinal positivo e
negativo. Lembro que uma vez Tia Irene me explicou melhor isso que chamo de
aforismo.
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O que ele quis dizer, Tia Irene?
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Disse que o caminho está aí, e que só nós podemos escolher a direção que quer
caminhar. Só há dois caminhos. O primeiro é o da escolha. O segundo, também o
da escolha... Ou vai por aqui ou vai por ali...
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Recebi
aquelas palavras como mais um conselho da minha Tia. Palavras serenas, que
falavam de escolhas, maturidade, caminhos. Eu pude entender a preocupação da
minha Tia em querer me contar essa história. Triste história que acabou tão
cedo e que poderia ter tomado outro rumo, mas como nem todos escolhem o melhor
caminho...
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Lembro-me que terminamos a conversa falando
dos melhores remédios para sinusite além de alguns procedimentos, como limpeza
nasal, inalação, chá de eucalipto, entre tantas outras podem ajudar a diminuir
os efeitos de uma crise.
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Estais vendo esse suco de espinafre?
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Estou vendo, Tia!
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Vamos tomá-lo, que é bom para fazer a digestão, serve para inflamações, ajuda a
manter e a saúde dos ossos.
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Vamos sim, Tia.
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Está vendo aquele mato ali?...
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Fábio de Carvalho Maranhão
Cortês-Pernambuco, quinta-feira, 30 de maio de 2019 (00h05min – 01hs13min)
– Biblioteca Particular / Escritório de Trabalho.
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