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terça-feira, 4 de junho de 2019

A Verdade Cabe em Todo Lugar / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
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Os Maus Costumes que a Gente Carrega / Fábio de Carvalho Maranhão


         Para falar sobre maus costumes é preciso antes de tudo se despir, a princípio, da venda que carregamos por vaidade ou da mania de querer ser superior, impoluto e cristão purificado, mas por consciência, dos três juntos.
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         Maus costumes, pensamos, só prejudicam a nós mesmos, mas de modo particular, quando paramos para refletir, sabemos, vemos e sentimos que seus efeitos ultrapassam os efeitos monossilábicos do ponto de vista da individualidade ou como também chamamos, da vida particular. Eu falo isso por ter refletido e analisado muitos maus costumes meus para poder chegar a observar e refletir acerca de maus costumes alheios, e porque não dizer, também, coletivos, do ponto de vista da cultura que influencia comunidades inteiras. Um exemplo lamentável é a cegueira que adquirimos por conta do fanatismo político. Muitas vezes, e eu arrisco dizer, que é um costume aprendido dentro de casa, sem a prática da reflexão nem o conhecimento da história como manda o figurino. A política gera analfabetos de toda natureza, em especial esse deficiente visual que chamamos de ignorante, essa canalha que chamamos de vadios das praças públicas e de beiras de esquinas, que “não perdem tempo” para ler um capítulo de um livro em algum momento do dia ou da noite. Os vadios das praças públicas aumentam em dez vezes, no mínimo, qualquer tipo de notícia que possa trazer à tona alguma polêmica relacionada à politicagem. Vivem de falatórios, apontam os dedos sujos para quem não levanta a bandeira que defendem, riem alienados de tudo que possa representar um ponto a menos para seu “adversário nas urnas”. Isso é muito perigoso pelo fato dessas práticas serem estendidas para seus lares, onde crianças escutam, presenciam e acabam aprendendo esses maus costumes que beiram o terreno do fanatismo e da ignorância política somada à preguiça para estudar, para que aprendendo, reflitam e sejam encorajadas por si próprias a agir diferente quando os maus costumes foram cargos chefes do ponto de vista das tradições familiares ou até mesmo culturais da sua comunidade. Se meu pai estivesse entre nós nos diria assim:
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___ Mau costume se tira com trabalho, levantando cedo e estudando. Quando a gente aprende quanto é o papel de energia à gente apaga a luz do banheiro, não esquece o ventilador ligado e aprende a tomar banho frio. Mas isso é culpa de muitos pais e mães que desde cedo mostram ao menino que tem hora que é melhor dormir tarde, acordar tarde, “aproveitar a mocidade” por que o tempo passa, e que é melhor “viver a vida”.
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         Eu aprendi com papai a ser uma pessoa responsável, incapaz de deixar de honrar meus compromissos, pronto para fazer o que for preciso para afirmar e reafirmar com ações que meus sobrenomes Carvalho e Maranhão merecem respeito. Lembro que quando a antiga prefeitura Palácio Executivo Municipal José Valença Borba era na Rua Coronel José Belarmino, meu pai ia receber lá, geralmente no turno da tarde. Nessa época o prefeito de Cortês era o senhor Manoel José da Silva, uma figura emotiva e do ponto de vista político, popular. Pois bem! Nessa época, papai já saia com o papel da água e da energia no bolso. Quando chegava em casa, os colocava em caixas de forma organizada. Havia um armário verde no quintal de lá de casa, situada a Rua Padre Antônio Borges, número 43, ao lado da quadra esportiva Hilton Alves Cavalcante Filho. O tal armário era cheio de ferramentas de papai. Na prateleira de cima, havia documentos de toda a espécie organizado, que geralmente, se resumiam em contas pagas. Entre uma ação e outra do meu pai, eu aprendia com ele, muitas vezes, sem ele pronunciar uma palavra. __ “Aprendeu como se faz, Fabinho?”, referindo-se a uma tilápia, peixe de água doce conhecido por Chilapo ou Chilapão após tirar as escamas e trata-lo. Essa foi uma das poucas vezes que ele me perguntou se eu havia aprendido a fazer algo que ele acabara de fazer. Nessa ocasião, ele me pediu para levar o sal até ele, mas a real intenção de papai era me ensinar a tratar peixes. Da mesma maneira foi com a carne de boi, de porco, de bode e galinha. Eu sempre descascava o alho, cortava verduras e pegava os temperos que ele utilizava. Aprendi muita coisa observando meu pai na cozinha da nossa casa. Mas voltando aos maus costumes, para concluir essa prosa, eu creio que muita gente carrega consigo maus costumes, sem dúvida, por não ter tido um pai como o meu. Seu maior ensinamento foi quando certa vez, me contando umas histórias que seu avô lhe contava, ele me disse:
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“Nunca se arrependa de ser honesto!”.
(Carlos Alberto de Albuquerque Maranhão)
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Fábio de Carvalho Maranhão
Cortês-Pernambuco, segunda-feira, 03 de junho de 2019 (09h36min – 10hs13min) – (Agrovila Barra de Jangada)
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Autofotografia: Janeiro/2019


domingo, 2 de junho de 2019

Falsidade Escancarada é o Combustível de quem Veste a Roupa de Coxinha / Fábio de Carvalho Maranhão


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         É isso se vê da forma mais explicita em cidade de interiorzinho, onde o povo todo se conhece, onde ainda existe parede de meia, onde se toma pinga em bodega ou em barracão, onde se conhece a pessoa pelo bisavô, avó, pai, enfim, onde por causa dos contatos serem mais frequentes e corpóreos, algumas pessoas se acham no direito de usar de má fé, muitas vezes, pelo fato de serem tratados bem, com educação, abrindo brecha para levar uma facada de todo tamanho. É que existem pessoas que confundem as coisas, e a classe mais acostumada a fazer isso é a classe dos políticos. Chegamos a ver logo após um cumprimento simples, um “vai tomar banho...” e ainda a mãe é quem paga por tabela em complemento. É por isso que me refiro à falsidade escancarada.
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Vemos no interior toda espécie de mazela quando o assunto é falsidade. Político falando mal do outro em frente ou dentro da Câmara de Vereadores, onde algumas vezes, o atingido quando chega, só não sai mesmo casamento, pois é tanta cena fajuta de teatro, tanto “pra quê isso” que não sei como eles não vomitam um em cima do outro. Se bem que em outros tempos, quando dona Corina era viva, vi uma cena que ela certamente não me deixaria mentir.
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Estávamos próximos ao centro da Cidade de Cortês. Dona Maria da Lanchonete já estava com o ponto organizado e servindo refeições diariamente além de lanches, que era de rotina. Perto da gente passou um vereador de mandato, cheio de si e com certeza, nunca havia lido um livro ou até mesmo um artigo sobre qualquer livro que se possa imaginar. Parecia furioso, e como quem distraído e ao mesmo tempo alerta, falou em voz alta, dando a entender o que ele desabafava. As palavras do tal vereador foram “Aquela desgraça me paga”. Entre um detalhe e outro, juntamos o quebra-cabeça e chegamos ao ponto-chave do assunto. O vereador era da mesma bancada que a dele, além de conviverem bastante, dialogando amigavelmente, votando até combinado em qualquer projeto que fosse encaminhado para a Câmara. Nós não entendíamos o que se passava, mas com certeza, o problema era resolver o problema dele. “O mundo que se exploda” falou ele com um ar de incrédulo ou blasfemador e emendou: “Quero resolver meu problema”...
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O foco, geralmente de todas essas pessoas antenadas às tendências de tudo do século XXI, é si próprio. Outras, sem perceberem, acabam sendo influenciadas por uma ou duas situações: vagabundagem e música sem conteúdo cultural algum. É a partir daí que surge falsidade de todas as espécies. Não é generalizando, mas quando um amigo se sente superior ao outro ou quando sente inveja daquela pessoa que mais agiu com lealdade com ele, pode-se dizer que o mundo está de pernas para o ar mesmo. Mas voltando ao assunto falsidade, tenho visto cenas de embrulhar meu estômago.
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Outro dia quando larguei da escola, vi perto da rua em que moro, três professoras conversando, já que parei para falar com um amigo na lanchonete de Dona Maria, onde por sinal, tomei um café hoje por volta de onze e meia da manhã. O diálogo entre elas foi sigiloso, até mesmo pelo volume da fala, mas não deu para escapar uma cena quando terminaram a conversa. Uma das professoras, a que estava de saída, foi repreendida após um monte de beijos e abraços, com uma língua direcionada a ela por aquela que mais foi carinhosa com ela. Quem morreu de vergonha foi eu, pois eu já havia pago o café e estava de saída, entre o chão da lanchonete e o chão da calçada. A professora não teve reação e seguiu em frente. A infeliz que lhe deu língua ficou toda por fora e provou uma das coisas que a falsidade obriga a provar quem vestir sua roupa: vergonha, vexame, mau bocado, enfim, como queiram chamar, como melhor se fizer entender.
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Na porta da delegacia, após uma confusão no trânsito, encostou um eterno aspirante a candidato a vereador e tentando resolver o problema antes que a polícia chegasse, falava no pé do ouvido de um algo do tipo:
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___ Será resolvido da melhor maneira, meu amigo!
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         Ele falava assim em tom que todos que estavam observando a confusão pudessem ouvir. Mas em surdina, dizia para um deles, o que ele se dirigiu a pouco:
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___ Não abra não! Ele tem dinheiro para mandar concertar o estrago que fez no seu carro.
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         Em meio tempo, ele já corria em direção fazendo jeito de bravo, para o outro imaginar que realmente ele estava defendendo seus interesses, mas já aliviava o discurso, colocando uma das mãos no ombro sujeito dizendo:
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___ Dá um toco ao delegado, Zé Mané, que ele te libera. Deixa esse lascado pra lá.
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         Essas histórias de interior que narrei acima não são nem um paliativo para o que tenho visto, escutado e ouvido falar. Uma das cenas que mais me chocou foi quando certo dia, duas autoridades religiosas do município encontraram-se em um evento público, na conhecida Praça da Bíblia, apelidada vulgarmente como Praça da Mentira. Não posso dizer que o acontecimento foi irreal, pois esse eu presenciei a poucos metros de onde eu estava. Não posso detalhar o acontecimento por não querer expor situações que possam desgastar alguma simpatia que ambos tem por mim, mas em resumo, posso dizer que levantam a mesma bandeira e guerreiam entre si Nunca vi uma coisa dessa na minha vida! Ou melhor, eu já até vi, porém, em pleno século XXI, época em que as igrejas rogam tanto por paz, presenciamos situações que descaracterizam tudo aquilo que se chama cristianismo. Outro dia mesmo um jovem saiu eufórico da escola gritando que era a favor da pena de morte, sendo que naquele mesmo dia, um padre e um pastor ministraram palestras para os alunos, onde uma das temáticas mais abordadas foram questões sobre “ser cristão” e sobre “o desarmamento”. A palestra do Padre foi às oito horas da manhã. A do Pastor que não me recordo qual a ideologia protestante ele defendia, ocorreu à tarde. Fizeram uma proposta de uma palestra conjunta, conde os estudantes pudessem ver um exemplo ecumênico, a fim de incentivar a Tolerância Religiosa, mas houve reprovação por parte de um deles. Por que terá sido?
         Enquanto o tempo vai passando, vemos situações de arrepiar quando o assunto é falsidade. Vamos aos exemplos?
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___ Só bebe cachaça porque eu pago!
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Quando o amigo chega só não lhe coloca no colo.
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___ Beba o que quiser. Hoje quem paga sou eu! Você não é tomador de cana? Pois bem, eu sou o pagador. Venha, entre, sente! Vai tomar o que?...
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         Muitas vezes, quando o amigo saía embriagado, pois ele empurrava cachaça nele com força, ele emendava:
___ Vai embora logo!! Estavas sem beber a dez anos, foi cachaceiro? Se ele demorasse mais um pouco iria deixar o bar sem pinga.
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Esses tipos de comportamentos em cidade de interior são comuns. É lamentável saber que existem pessoas com tanta falsidade. É por isso que eu sempre falo que falsidade escancarada é o combustível de quem veste a roupa de coxinha.
Confesso a todas e a todos: “A palavra “falsidade” tem muito me ajudado a refletir sobre a importância da verdade. Vamos pensar mais nisso?”.
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Fábio de Carvalho Maranhão
Cortês-Pernambuco, Domingo, 02 de junho de 2019 (13h43min – 14hs53min) – Biblioteca Particular / Escritório de Trabalho.
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Autofotografia(abril/2019): Fábio de Carvalho Maranhão
Arte disposta: Analiel Francisco



sexta-feira, 31 de maio de 2019

Se Não Fosse Meus Filhos... / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

Estudantes Que Nos Marcam a Vida / Fábio de Carvalho Maranhão

Revisão
31 de maio de 2019

Dona Maria da Conceição, Lavadeira de Roupa / Fábio de Carvalho Maranhão

Revisão
31 de maio de 2019

Não Há Como Não Lembrar Daqueles Tempos / Fábio de Carvalho Maranhão

Revisão
31 de maio de 2019

Educação Para Poucos e Migalhas Para Muitos: Nação Ignorante Se Alimentando de Restos / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de Maio de 2019

As Virtudes de Quem Gosta de Viver / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

Sonhando Com Mulatas, Ruivas, Loiras e Orientais / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

A Natureza Morta e Chico Mendes no Porta-Retrado da Minha Biblioteca / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

Segredos Não Se Guardam, Enterram-se / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

Justiça Para o Senhor José, Para o Filho do Rei o Ministério da Justiça / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

Eu Me Pergunto Se Estou Certo e A Resposta Me Vem à Tona / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

O Clamor de Quem Precisa é O Passaporte para o Inferno Para Quem Faz o Povo Clamar / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

Por Que Não Dizer Sim a Si Próprio / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

Lástima de Pobre é Música aos Ouvidos da Gentalha / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

Pão Oferecido é Pão Dado / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

A Cidade Não Mora Mais em Mim / Fábio de Carvalho Maranhão

Em Revisão
31 de maio de 2019

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Remédio bom é Remédio Caseiro / Fábio de Carvalho Maranhão


Eu passei boa parte da minha vida ouvindo minha Mãe e minha Tia dizendo: “Laranja serve para empachamento”, “É bom comer pelo menos um pedaço da casca da manga que você chupar”, “Lambedor bom é o de  abacaxi”, “Bom mesmo para o fígado é não abusar de óleo, comida velha ou cachaça”, “Quando der azia, chupa limão”, “Soluço se cura com susto”...
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         Não é de impressionar, pois esses ensinamentos muita gente tem aprendido de geração em geração, e é dessa forma, se redesenha a cresça, a cultura e até a esperança de outros tempos. Vale dizer, que testei cada ensinamento citado acima, e logo pude perceber que escutar os mais velhos é o mesmo que evitar uma guerra ou uma simples indisposição gerada por excessos ou descuidos. Naturalmente, quando se é bem jovem, tudo que nos ensinam vira uma espécie de referência para nós, que em algum momento usaremos na vida prática. Outro dia mesmo, curei o soluço de uma aluna na escola onde trabalho há quase nove anos. A escola Santo Antônio, situada na Zona Rural da Cidade de Cortês, numa Agrovila chamada de Barra de Jangada, terra onde o senhor Severino Rodrigues de Moura residiu por muito tempo, deixando um legado exemplos diversos para quem conhece sua história. Foi seu Moura quem me lançou oficialmente poeta, a pedido de Papai, quando em uma conversa com meu velho, tomando uma cerveja expressei minha vontade de lançar um livro de poesia, e sabendo que seu Severino tinha muito apreço a papai através de Tia Irene, lhe perguntei se ele não poderia falar com ele para me indicar a uma editora, já que naquele tempo, meu conhecimento sobre os caminhos editoriais eram tão rasos quanto o acesso à internet. O tempo passou e papai me levou em Caruarú, em casa do escritor amigo, onde fomos recebidos com muita educação. Lembro que onde seu Moura residia, mesmo em frente à sua casa havia um edifício, se a memória não me falha, chamado Edifício Machado de Assis. Arrepiei-me quando vi, pois àquelas alturas eu já lia o escritor de Dom Casmurro, Helena, Ressurreição, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, A Mão e a Luva, Crisálidas, Falenas e Americanas, Relíquias de Casa Velha entre tantos outros. Eu devorei por inteiro a obra de Machado, e não falo isso com vaidade, mas com orgulho, pois se não fossem essas leituras, eu jamais seria o que sou hoje no campo acadêmico e literário. Até já registrei que o amigo Luizinho foi quem me presenteou com o clássico machadiano, que lançou para nós o desafio de buscar conclusões a respeito da suposta traição de Capitú, cuja personagem, acompanhada de Bentinho, Escobar e Sancha compuseram uma grandiosa página da história da literatura brasileira. Eu entendi aquilo como um sinal superior. Justamente “Machado de Assis”, o edifício?!...
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         Conversamos cerca de quase quarenta minutos na área externa de visita da casa de seu Moura, e para resumir, essa visita me rendeu uma nota biográfica curta e duas poesias no livro sobre Cortês, intitulado “Cortês, Cidade do Rio e das Serras”, que seu Moura lançara no Salão Nobre da Prefeitura Municipal de Cortês José Valença Borba no ano 2002. Lembro como se fosse hoje: 500 exemplares sobre uma mesa, onde a sua maioria estava autografado para ser entregue após o final do lançamento. A parte lamentável foi que em um dado momento, em parte de um discurso, um ex-prefeito de Cortês fora ofendido, onde não sei se a infelicidade discursiva fora por conta do calor do momento, com objetivo de agradar a outras partes, mas com referências que expuseram a vida pessoal do senhor Eronides Campos, um vereador na época e também irmão do ex-prefeito, levanta-se de maneira clássica, em seguida, cumprimenta algumas pessoas que compunham a mesa e retira educadamente. As pessoas que estavam lá, sabem quem proferiu o discurso, e sem alongar muito essa conversa, registro que lamento profundamente a atitude, porém, sem levar isso comigo como algo que pareça raiva ou tentativa de desconsiderar ninguém. Se fosse comigo, eu faria como falou Chico Xavier quando ele nos disse através do seu guia espiritual “Deixa um sinal de alegria por onde passa”.
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         Mas retornando aos remédios caseiros, lembro muito bem quando em um período junino, ralamos milho seco para fazer cuscuz sangue puro, tia Irene e eu, fizemos pamonha, canjica, bolo de milho e milho cozinhado. Se houve mais alguma coisa não me recordo. O café não podia faltar. Minha tia não arriava duas garrafas cheias em cima da mesa amarela de quatro cadeiras que havia no começo da cozinha. Dona Ídes, dona Maria da Água se fossem vivas, não me deixariam mentir. Mas tem muita gente ainda que acompanhou essa história e que sentou naquelas cadeiras para tomar café conosco e falar desde as viagens ao Juazeiro até os remédios caseiros. Mas esse dia ficou marcado por causa da prosa que tivemos sobre essas plantas, que no linguajar de tia Irene, eram matos.
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___ Sabe para que serve pião roxo?
___ Não, titia...
___ Serve para muita coisa, uma das coisas é para proteger a casa, os pés de frutas, até a gente mesmo. Os índios são sabidos nesse assunto.
___ Os índios?
___ Os índios conhecem todo tipo de mato e para que cada um serve. Mas o mais importante não é só conhecer e saber para que cada um serve, é bom saber fazer os remédios.
___ É difícil, titia?
___ O tempo ensina, Fábio...
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         Após cada dedo de prosa, eu aprendia mais uma coisa com tia Irene. Ela como era de idade sabia muito bem o que estava dizendo. Eu, bem jovem, acreditando e tomando nota mental de tudo, tive a oportunidade de ampliar meu conhecimento acerca de muita coisa que muita gente hoje, na minha idade, não sabe... Mas o mais interessante de tudo isso, é que uma coisa ficou na minha mente, e que eu faço questão de registrar para que, quem tomar conhecimento, faça uma reflexão, e que essa reflexão seja válida à sua vida prática.
         Tia Irene me contou uma história. A história se passou a pelo menos, contando da data em que ela me havia contado, uns cinquenta e seis ou cinquenta e oito anos. Aconteceu no engenho Cruz, onde meu bisavô Guilherme Felipe Teixeira e minha bisavó Lídia Teixeira de Carvalho criaram dentre seus filhos, Irene, Rogaciano, Julivaldo e Felisberto, meu avó, pai da minha mãe, além de Eládio, que falecera aos cinco anos de idade e mais quase vinte filhos adotivos entre sobrinhos, afilhados e outros que não tiveram a bênção de serem criados pelo pai e pela e pela mãe. Tia Irene, sendo a mais velha, ajudou a criar todos e deu continuidade a prática angelical, cuja sentença maior, foi lhe dada por Deus, em viver uma vida de caridade. Terminou seu feito, comigo sendo o último sobrinho que ajudou a criar e a educar, na casa em que hoje resido, na avenida São Francisco, em Cortês-PE, parte do chão da minha infância e juventude, pois a outra parte é na rua Padre Antônio Borges, onde meu papai e minha mãe construíram o lar da nossa convivência e construção das nossas vidas. Mas voltando a história, - e que história!! -, vou encher uma xícara de café para tomar fôlego e escrever pela primeira vez uma narrativa sobre essa prosa, que tanto me ensinou quanto me fez enxergar algumas coisas além, coisas essas que só passamos a perceber ou a compreender ou quando a experiência nos pesa os ombros ou quando alguém nos abre os olhos e escreve em nossas vidas uma parte da sua história ao dividir suas próprias experiências...
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         Antes do meio dia de um dia de meio de semana, estavam todos sentados à mesa para almoçarem. Tanto minha vó quanto minha tia tinham muitos afilhados e afilhadas, e como era de costume, talvez uma questão cultural da época, as casas dos padrinhos sempre recebiam visitas dos afilhados e afilhadas constantemente, fato que hoje é muito diferente, até porque as relações humanas tem sido modificadas por muitos motivos, entre eles, como diria um sambista carioca, uma constante crise da consideração. Até mesmo a famosa profecia da gentileza não é posta em prática. O profeta se foi, deixou a mensagem, porém, a coisa anda muito diferente do que deveria ser. Aquele dia ficou marcado para minha tia, pois lhe levaram um dos seus afilhados, no engenho, em pleno meio dia, justamente antes de todos terminarem o almoço, ela com seu jeito, só sentava para almoçar quando todos já estavam sentados e servidos. Demorou mais do que o habitual, e como se pressentisse algo, não havia chegado fome àquelas alturas. A história se inicia quando falou sobre esse afilhado que segundo ela e todos que residiam no Cruz e nas redondezas, dava muito trabalho ao seu pai, o senhor Jacobino, conhecido por seu Jacó e seu Bino, cortador de cana e tirador de conta, e dona Higina, conhecida pela maioria por dona Galega. Ele, um afrodescendente trabalhador, ela uma galega, descendente de portugueses, escrava do rio onde lavava roupas e as louças e do fogão de lenha. Falavam que ela gostava de se divertir na calada, até falaram que o filho Juvenal Higino não era filho de seu Jacó. Mas isso já é outra história, e a história que Tia Irene me contou é curta, mas deixa uma lição para a vida. Ela começou a história me dizendo que...
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___ Naquele tempo, sabe como era que as pessoas resolviam problemas com quem andava fazendo mal feitos?
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Dei com os ombros para cima.
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___ Pois é. O menino de comadre Higina era buliçoso. Gostava de mexer no que era dos outros. Não faltava corrigenda de compadre Jacó. Outro dia mesmo ele veio aqui conversar com pai para pai dá conselhos a ele. Ele só respeitava pai, mãe e eu. O resto para ele era coisa qualquer. Não sei porque Juvenal aprontava tanto. Não podia ver uma galinha. Gorda ou magra ele passava a mão. Não sei quem ensinou àquele menino a fazer cabidela. Uma vez ele trouxe uma porção para pai e mãe numa panelinha de barro, já para mim foi numa panela de alumínio, sem o sangue, pois ele sabia que eu não gostava de molho pardo, e lembrando isso, quis agradar a sua madrinha. Dias depois só ouvimos os gritos no terreiro: “Ladrão de galinha!”, “Pega o ladrão de galinha!”... Naquela hora que me arrepiei e lembrei-me da galinha guisada e da cabidela. Fui me confessar no outro dia. Não dormi àquela noite.
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         O menino Julião era mão leve. E como naquele tempo se resolvia ou considerando o pai e a mãe de quem praticava essas coisas ou o buraco era mais embaixo. A confusão foi grande...
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___ Não se pode mexer nas coisas dos outros, Fábio! Não esqueça disso!
___ Eu sei, tia! Não vou esquecer isso não.
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         O desfeche da história foi lamentável. Passados quase três meses da saída do senhor Jacobino e de dona Higina, Julião ficou perambulando no Cruz, chegando para visitar meu bisavô e minha bisavó sempre nas horas das refeições, depois sumia e só chegava no horário da refeição seguinte. Dormia na choupana que fora dos seus pais, mas todo o resto era na casa da minha família. Casa com 18 janelões, três salas, duas cozinhas, 8 quartos, alpendre, área de fundos... Era uma verdadeira mansão. Meu avô tinha um barracão, e vendia com frequência a toda aquela gente que chegando com ou sem dinheiro, levavam a mercadoria. Meu bisa Guilherme nunca negava uma venda a seu ninguém e ninguém lhe passava caranha. Outro dia eu ouvi em surdina, que um homem que devia um valor lá na venda, após ter desencarnado, apareceu com uma moeda na mão direita para pagar a dívida. Não sei como se deu se deu o desfeche dessa conversa, pois quando tia Irene conversou isso com minha mãe eu era muito pequeno, por isso só me lembro desse detalhe. Mas entre as idas e os sumiços aquele foi o ultimo dia em que ele visitou o chalé do Engenho Cruz...
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___ De tanto mexer no que era dos outros, chegou lá em casa, no engenho, na frente do alpendre principal, dentro de um saco enorme, uma espécie de matulão, só que daqueles que aparece na música de Luiz Gonzaga, onde cabe tudo dentro dele. Mas o pior não foi isso. Julião chegou sendo arrastado dentro de um saco através de um cavalo. A cena foi horrível. Mãe chorou feito uma desesperada. Pai ficou ao pé do Alpendre, no lado direito. Coçou mais a cabeça do que se tivesse piolho ou pulga-de-bicho. Ninguém contestou nada. O sujeito que o arrastou nada tinha que ver com isso. Ele apenas mirou nos olhos dos olhos de Pai e disse as seguintes palavras.
___ Não foi falta de aviso, não foi seu Guilherme?
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         Foi-se cedo. Não deu tempo sequer ver um filho nascer ou algo mais. Meu avô, como quem não pensasse para falar, disse apenas que quando uma andorinha se separa das outras, é sinal positivo e negativo. Lembro que uma vez Tia Irene me explicou melhor isso que chamo de aforismo.
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___ O que ele quis dizer, Tia Irene?
___ Disse que o caminho está aí, e que só nós podemos escolher a direção que quer caminhar. Só há dois caminhos. O primeiro é o da escolha. O segundo, também o da escolha... Ou vai por aqui ou vai por ali...
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Recebi aquelas palavras como mais um conselho da minha Tia. Palavras serenas, que falavam de escolhas, maturidade, caminhos. Eu pude entender a preocupação da minha Tia em querer me contar essa história. Triste história que acabou tão cedo e que poderia ter tomado outro rumo, mas como nem todos escolhem o melhor caminho...
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Lembro-me que terminamos a conversa falando dos melhores remédios para sinusite além de alguns procedimentos, como limpeza nasal, inalação, chá de eucalipto, entre tantas outras podem ajudar a diminuir os efeitos de uma crise.
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___ Estais vendo esse suco de espinafre?
___ Estou vendo, Tia!
___ Vamos tomá-lo, que é bom para fazer a digestão, serve para inflamações, ajuda a manter e a saúde dos ossos.
___ Vamos sim, Tia.
___ Está vendo aquele mato ali?...
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Fábio de Carvalho Maranhão
Cortês-Pernambuco, quinta-feira, 30 de maio de 2019 (00h05min – 01hs13min) – Biblioteca Particular / Escritório de Trabalho.
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quarta-feira, 29 de maio de 2019

O Artista Vai Onde o Povo Está! Depois a Gente Conta Nossa História... / Fábio de Carvalho Maranhão

Enquanto muita gente pensa que para caminhar nas estradas das artes basta carregar consigo um violão, se encher de vaidade, escrever um ou dois versos com rimas, cadência, oração e sequência para impressionar quem ler ou ouvir uma declamação, vestir-se ou de acordo com seu perfil, ocasião ou seu espírito de artista. Existem tantas outras coisas possíveis de citar,mas enquanto isso deixo a cargo do amigo leitor e da leitora amiga a fluência da capacidade imaginativa. 
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Nós, artistas, pisamos em um chão áspero, que por sinal, muitas vezes, maltrata e gera desânimo. Já conheci, convivi, conversei, tomei conhecimento de muitos que deixaram a labuta artística por pisar em pedras pontiagudas e espinhos violentos. Outro dia, quando fui a Palmares cumprir uma Agenda Cultural na FAMASUL, faculdade que realizei graduação e pós em Ensino de História, enquanto eu organizava o material, escutei uma rápida conversa entre dois colegas presentes, onde um afirmou que alguém que ele conhecia só abandonou o chão da música por não carregar alma pura de artista. Não pude interferir na conversa por não achar conveniente e por saber que cada caso nos remete a uma história de vida diferente, porém, na minha cabeça passou um filme de suspense, aja vista, tenho desanimado bastante quando o assunto é continuar tocando o barco da música com o mesmo orgulho de quando comecei a trabalhar com esta arte profissionalmente. Lembro que um falou da seguinte maneira:
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___ ...parou porque não é um artista de sangue puro!
___ Falando assim, mais parece com o discurso infame do nazista...
___ Falo sério!  Era para ele ter continuado, pois o cara toca um violão condenado...
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         Confesso que ao ouvir aquela conversa, o coração acelerou. Para estar em Palmares levando comigo minha poesia, minha música e canções de artistas que escreveram com sua arte não apenas a história da música brasileira, mas também a história do nosso país, deixando um legado de engajamento social e de vergonha na cara, eu cumpri uma jornada muito corrida e me esforcei bastante, para uma vez tendo cumprido as obrigações até 17 horas daquela quarta-feira, eu pudesse escrever mais um capítulo da minha história e participar da história dos pesquisadores, acadêmicos, historiadores, estudantes do curso de Ensino de História presentes naquele evento promovido pelo professor mestre, poeta, escritor e historiador Vilmar Carvalho, acadêmico da casa. Eu, como artista do evento, ex-aluno já havia registrado, recarreguei minhas baterias cerebrais a partir do momento em que recebi aquele boa noite caloroso do meu ex-professor de economia política e orientador do artigo científico que escrevi durante o pós-graduação, intitulado de “História e Poesia na Sala de Aula: Inovando O Ensino De História Nos Anos Finais Do Segundo Ciclo Do Ensino Fundamental”.
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___ Boa noite, Poeta!
___ Satisfação revê-lo professor!
___ A satisfação é nossa!!!
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         Antes mesmo de dialogarmos um pouco, emendei com uma ideia cuja menção fora uma forma de agradecimento de maneira antecipada ao amigo e ex-professor, por ter me convidado para tomar de conta da agenda cultural do evento de mesa redonda com os professores mestres e doutores Alexandre Lima e Marlon Oliveira, ambos meus ex-professores, e Jeferson Evânio, ex-colega do curso de especialização em Ensino de História:
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___ Sinto-me honrado pelo convite, pois Palmares, sendo um celeiro de Artistas, o senhor me convidou para trazer minha poesia e minha música...
___ Além de ex-aluno, és um excelente poeta e músico, Fábio.
___ (...)
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         Entre uma conversa e outra, os acadêmicos e participantes em geral foram chegando, se acomodando, cumprimentando uns aos outros, enquanto eu, com o peso da jornada corrida que percorri até aquela quarta-feira, fiquei imaginando o que é que um artista, um poeta, um músico engajado, com responsabilidade social não faz para contribuir de alguma maneira com algo que possa surtir efeito no pensamento e na construção de ideias das pessoas. Aquele evento me deixou orgulhoso, pois além de ser composto por sua quase totalidade de Historiadores, eu pude apresentar um trabalho com um nível histórico e uma dinâmica estética muito importante. Para se ter ideia, não é conveniente tocar na noite, em bares e churrascarias algumas daquelas canções, como faço com frequência no aconchego do meu lar. Na noite o repertório é diferente. Não se costuma encontrar nesses ambientes pessoas que busquem nas metáforas das canções o êxtase da estética histórica que mexa com seu intimo. Se bem que muita gente anda preocupada mesmo é com o próprio umbigo ou com a vida privada das pessoas. É por isso que quando abri o evento tocando Gonzaguinha, senti um arrepio ao perceber os olhares, o acompanhamento labial de quem cantava junto, outros em silencio, meditando na letra, como se estivessem paralisados. O professor Vilmar cantou de maneira recatada todas as canções que apresentei. De Chico Buarque a Gonzaguinha; De Belchior a João Bosco e Almir Blanc. Fazia tempo que eu não sentia um fluido tão positivo quando se fala em apresentação musical. Quando dei conta, o tempo havia passado, e como se o relógio não tivesse corrido, parecia que ainda haveria mais uma ou duas horas para tocar o coração dos que ali sentados, trabalham no dia a dia contribuindo para retirar a venda dos olhos de muitos e muitas que são contaminados pelo teatro midiático que veste nosso país que chora e que rir, que rir e que chora...
         São nessas horas que fazemos várias reflexões como artistas, poetas, compositores, músicos entre tantos outros... Fazemo-nos perguntas, indagamos a nós mesmos se vale à pena está no chão da estrada, levando para as pessoas nosso recado, nossa imagem, nosso discurso, aquilo que acreditamos ser importantes para todas e todos nós. Eu disse para mim mesmo, em surdina de pensamento:
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___ Se der tempo eu faço uma boquinha lá na cantina...
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É que com tanto corre-corre acabei não jantando, e como o ônibus que leva os universitários sai às 18 horas em ponto, eu tive que me apressar um pouco mais. Não cumpri o cardápio como de costume. Mas aquele meu pensamento era negativo.
Durante a viagem de volta, tive a sorte de sentar a meio palmo de uma das cadeiras do ônibus, que por sinal estava lotado. Duas amigas ao me verem com violão e uma bolsa de costas naquele imprensado em pleno corredor, falaram para mim:
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___ Fabinho, senta aqui...
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         Aquele gesto para mim valeu tanto à pena, que me lembrei de pronto da minha tia Irene Carvalho, quando me dizia “Deus ajeita os seus, quando a gente pensa que não vai se aguentar nem em pé, ele manda alguém arrastar um tamborete pra gente sentar e descansar pra tomar fôlego”. Era mesmo assim que ela me falava quando aos goles de café com leita, altas horas, aqui na avenida São Francisco, em Cortês, varávamos a madrugada. Eu não sei dizer quando vale um momento desses, uma lembrança dessas, uma emoção tamanha. Eu acredito em Deus e nas palavras da minha tia-madrinha e avó, pois tudo que ela me falava era com o coração, e isso dava para ler não nos seus olhos, mas na sua expressão. Se ela falou que Deus arranjaria alguém arrastar um tamborete quando nós não nos aguentássemos mais ficar em pé, e eu sempre acreditei, o dia de tirar a prova real foi nesse dia, que por sinal, foram duas pessoas amigas e jovens e promissoras. Karolayne e Michele foram os anjos que minha tia tanto anunciou. É por essas e outras que sempre falo: O artista vai onde o povo está! Depois a gente conta nossa história...
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         Já ia me esquecendo: quando cheguei ainda escrevi uma crônica...
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Fábio de Carvalho Maranhão
Cortês-Pernambuco, quarta-feira, 29 de maio de 2019 (23h05min – 23hs31min) – Biblioteca Particular / Escritório de Trabalho.
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Autofotografia
Biblioteca Particular / Escritório de Trabalho
Sábado, 13/Abril/2019.


terça-feira, 28 de maio de 2019

Quem Fura Fila do Almoço não Deveria Ter Direito à Sobremesa / Fábio de Carvalho Maranhão


Enquanto as regras de etiqueta, boa educação, bons costumes, cordialidade e vergonha na cara vão sendo esquecidos, deixados para trás, caindo em desuso, escândalos do ponto de vista do amundiçamento vão se proliferando no meio de todas as classes socioculturais. Apesar de muitas vezes sabermos que determinada coisa não se deve praticar, muita gente acaba caindo no erro ou na canalhice de querer se dá bem até em fila pública de almoço. Como se não bastasse à falta de educação de muitos e muitas, uma coisa que ignoram é a ética do ponto de vista da conduta e do exemplo que, alguns profissionais, deveriam fazer uso, especificamente aqueles e aquelas que se auto-declaram professores e educadores.
Quando Renato Russo e Ruben Alves falaram sobre o espelho, muitos profissionais da educação confundiram as metáforas, e ao invés de verem um mundo doente e de se acharem na condição de exemplos, preferem adoecerem da doença da falta de educação e de oportunistas. Paulo César Pinheiro e João Nogueira expressaram com excelência o que de fato um espelho pode gerar em nossas vidas. Refletiram e registraram sobre seus espelhos e, além disso, além deles para suas vidas, deixando claro suas maiores influências a respeito do que marcou na sua infância e do que vale a pena levar a diante, além, um legado familiar, para uma descendência digna de exemplo vindouro e presente.
Quando as realidades vão se desenhando e as pessoas vão se adaptando a situações cotidianas do chamado “jeito brasileiro”, muita coisa tende a dá errado, especialmente quando há quem se exponha em cometer violações de direitos básicos do ponto de vista da isonomia ou de por que não dizer da igualdade.
Outro dia, participando de evento educacional, pude observar de maneira discreta situações que variaram desde situações diversas e palavras relacionadas a comportamento, oportunismos, vulgarismo, canalhice, caráter, desrespeito, violação, gula, desmoralização, exemplo, dissimulação, entre outros.
O dia estava cansativo. Segundo dia de estudos, produções, debates, palestras e naturalmente, quando nos dedicamos mais a alguns afazeres, sentimos, talvez, mais fome e sentimos uma maior necessidade de sentarmos à mesa um pouco mais cedo.  Havia muita gente no prédio público da Escola Leão da Ilha. Professores, gestores, auxiliares, secretários, palestrantes, aspirantes a pessoas educadas e inteligentes, gente com ar de professor e professora “só que não”, esfomeados, viciados em furar fila e aqueles que observavam de longe toda uma indigestão de maus costumes e lamentáveis controvérsias, ou seja, contradições éticas que certamente são naturais para uma boa quantidade de “professoras” que ou furam uma fila para almoçarem ou morrem de fome caso não cometam ao menos uma vez por dia um ato que desqualifique a imagem do professor em geral.
Perto de mim, havia uma professora que, discretamente, observava tudo, e de maneira sutil, reprovava o que via com um leve balançar de cabeça, inclinada para baixo e com a mão no queixo e a outra segurando o cotovelo para melhor se apoiar. Eu sorria com o coração não por achar engraçado ou por me afirmar superior em educação familiar aos que estavam presentes, mas por entender toda aquela situação e saber que existiam pessoas ali que também tem um compromisso com sua imagem através da ideia do espelho de Rubens Alves, já que a maioria presente, além de quebrarem o espelho, utilizaram seus cacos para influenciarem outras que ali estavam a praticarem a má educação e adicionarem mais uma à coleção de fura filas.
Passados os minutos, mais de trinta profissionais da má educação passaram na frente dos que chegaram primeiro. Eu não me incomodei, mas meu estômago embrulhou. Não tive escolha e pensei:
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___ “Isso vai me render pelo menos uma crônica...”
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         Havia uma professora que não se contentando em ter furado a fila na cara dura, chamava outras de uma maneira tão escandalosa que chegou até a incomodar outra que a antecedia.
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___ “Vem fulana, passa na minha frente, eu deixo...”
___ Mulher, tú és doida é? Vou não!
___ Por que, doida? Eu furei porque tú não pode furar também?...
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         Após a conversa, sem querer querendo, acredito que por força do hábito, a professora se enfiou no meio das outras e caíram numa risada tão sarcástica, mas tão sarcástica, que gotas de saliva da boca de uma caíram em cheio no prato de comida de uma das suas comparsas. Depois disso foi que foi risada. Até a prejudicada sorriu, gargalhou, ficou vermelha e emendou com essa frase:
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___ O que não mata engorda! Estais com gripe suína, mulher?
___ Eu mesmo não! Vira essa boca pra lá!!
___ Então sai na urina...
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         A situação era tão escandalosa que eu cheguei a acreditar por fração de segundo que eu estava no meio daquele povo que não pode ver comida, não por não ter o que comer, mas por antar com o espírito da gula no couro e a falta de educação como um fanatismo religioso que se pratica.
         Logo mais retornaríamos para darmos continuidade aos estudos, e como se não bastasse, além dessas práticas lamentáveis, acharam por bem sujarem mesas escolares e corredores com copos descartáveis.  Não bastando, pouco depois após almoçarem, fizeram competição para verem quem arrotaria mais alto. Eu não acreditei no que eu via discretamente. Dessa vez combinaram para se afastarem dos demais a fim de realizarem a competição de maneira menos escandalosa. Chegaram a apostar o lanche da tarde, que ao que tudo indicava, seria servido no momento de sair. Imaginem só, eram sete senhoras e senhoritas, professoras, apostando comida, furando fila, chamando palavrões e apostando arrotos. Olhei para a professora que também observava tudo, e por coincidência estava almoçando perto de mim e perguntei:
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___ Onde é que esse mundo vai parar?
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         Ela, sem ter muito que falar, deu de ombros para cima e para baixo, e não faz igual à ganhadora do concurso de arrotos, não falando com a boca cheia, não gargalhando e consequentemente não cuspindo todos que estavam próximos a nós, como ocorreu na fila, só que sem a boca cheia, não chamando palavrões, enfim, não disse uma palavra, mas disse tudo com seu silencio, seu olhar e seus ombros. Quando olhei para a cadeira que a professora havia arrastado para perto de si, percebi um exemplar de Moacir...
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___ Já leu esse, professora?
___ Acabei de ler
___ Vamos trocar?
___ Qual o título desse?
___ “Poema Limpo: Eu, dentro de mim”.
___ É seu? Sim.
___ Está trocado!
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         “Rimos...”
         Eu tenho o mesmo exemplar na minha biblioteca. Mas como o momento foi propício, repassei meu livro e acabei repassando o adquirido. Moacir Gadotti é exemplar, pensei em voz alta...
___ Sim...
___ Uma boniteza, não é?
___ Um sonho...
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Fábio de Carvalho Maranhão, Cortês-Pernambuco.
Terça-feira, 28 de maio de 2019 (21h49min – 22h49min) (Biblioteca Particular / Escritório de Trabalho)