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domingo, 12 de março de 2017

O Surto Intelectual do Professor Zuan Açoeiro em Prol da Causa Humana / Fábio de Carvalho [Maranhão]

XI

Quando se escreve sobre a injustiça do mundo e posteriormente se publica, dois caminhos são convenientes para trilhar: continuar escrevendo e cumprir o dever de quem tem ao seu favor a palavra, resultante do compromisso próprio com a permanente missão intelectual ou transformar-se em um covarde, confirmando tua posição como característica própria,  por achar que não se pode dar jeito no mundo ou uma coisa qualquer desse tipo.

Em um tempo não muito remoto aos dias de hoje, travei muitas discussões com meu professor de filosofia sobre o ato de fazer algo pela humanidade e ao mesmo tempo, sobre o silêncio e a omissão dos que sempre estão a espera de algum osso para roer, feito os cachorros esfomeados ou migalhas das mesas fartas dos que representam o poder nas suas mais variadas esferas sociais. 

Muitas foram as discussões com direito a réplica e tréplica, mas sempre sob um nível de respeito, equilíbrio e discernimento suficientemente coerente para nossas conversas durarem horas, tanto de corpo presente quando pelo telefone, que por sinal, era menos frequente.

Certo dia, marcamos para nos encontrarmos em um café na praça de alimentação da faculdade e prometemos não conversar sobre as causas das dores do mundo, primeiro, como se fossemos conseguir não falar, segundo, como se quando falássemos sobre as dores do mundo, não estivéssemos nos referindo às dores das pessoas. É por isso que tínhamos uma opinião incomum sobre consertar o mundo, pois sempre nos referíamos a mudança das pessoas. Lembro-me que quando o professor Dr. Zuan Açoeiro se aproximou de mim usando seu casaco de couro preto, seu chapéu stetson adquirido em um sorteio realizado numa vaquejada em Bezerros-PE, sua bolsa de alça envolta do ombro esquerdo e apoiada no seu lado direito e na mão esquerda segurava um Neruda, cujo título não me recordo no momento, me olhou com aquele olhar de quem estava apreensivo e ao mesmo tempo ansioso, estendeu a mão direita emendando com a velha cordialidade:

___ Como vai o amigo que eu gostaria de ser se eu não fosse eu?

Eu, como sempre, sorri e travei-lhe um aperto de mão que quase quebro um dos seus dedos, pois entre um movimento e outro, ele se deslocou e quase não suportou a pressão. Mas como a recepção foi muito calorosa naquela noite, nem o professor nem eu percebemos a quase quebradura resultante da euforia inicial. 

___ O que temos para hoje, professor?
___ Temos tudo e nada.
___ Como sempre, não é?
___ Para quem quer aproveitar o tempo sobre alicerces profundos, estão aí,para todos, os ensaios, as literaturas, as obras de artes, a boa música, o teatro e a música erudita, a música popular...
___ Muita gente anda dormindo muito, não é professor?
___ Certamente! É preciso conhecer os livros, para saber como são as coisas, o porquê de outras, entender as relações sociais, o funcionamento das instituições, a mente humana, o dogmatismo religiosos, os adestramentos da mídia fascista e de partidos golpistas.
___ Compreendo bem o que o amigo estar me falando.
___ Imaginemos uma literatura bem escrita, um romance, onde é possível perceber, sob uma análise psicológica e do discurso do autor, como disse Nelson Rodrigues, "a vida como ela é". 
___ Quando li toda obra de Machado de Assis na primeira década do século XX, percebi a preocupação desse carioca e denunciar questões que implicavam a sociedade brasileira tanto no período Monárquico como no Republicano. Esse grande mestre da literatura brasileira teve o privilégio de analisar a transição desses dois sistemas políticos, mesmo tendo o segundo, dado continuidade a muitas sob aspectos políticos e econômicos do anterior. Machado de fato, soube cumprir com a causa maior que cabe a um escritor: denunciar de maneira inteligente as injustiças sociais, chamar atenção da sociedade através de narrativas cobertas de ironias acerca da ética politica, do espírito oportunista de muitas doutrinas religiosas, dos comportamentos dissimulados da humanidade, cujos mesmos foram analisados através da criação de personagens dispostos nos seus contos, crônicas, romances...
___ Vejo que o amigo estar inspirado e que realmente leu Machado de Assis. Temo constatar  em professores, que também possuem o compromisso social que carregam os escritores e poetas, a ausência da leitura, e antes dela, a paixão pela mesma bem como a consciência da sua missão. Quando lemos Drummond, nas entrelinhas de muitos dos seus versos, é possível constatar seu compromisso com a poesia, compromisso este que configura seu compromisso como autor que também possui compromisso social, com a vida, com o amor pela vida, com a renovação da vida...

Eu vi os olhos do professor Dr. Zuan, um brilho que gerou no seu olhar, uma expressão diferente. O café sobre a mesa, não lhe chamava atenção. Em súbito momento, tomado de uma inspiração Nietzscheana, o professor, ao observar a chegada de muitos alunos, paralisou o olhar sobre universitários dos mais variados cursos, mas em especial, direcionava seu discurso para os que tinham a missão acadêmica. Sem pestanejar, meu professor de filosofia subiu na cadeira da direita, que o esperava juntamente comigo para o café filosófico, e proferiu palavras da  sua alma:

___"Escutais minha gente!
Mas se não  abri-vos o coração seus ouvidos se fecharão para a mensagem que voz trago. 
Para ouvir o que vos tenho a dizer, 
é preciso estar atento, 
disposto, 
destinado a não apenas escutar o que as palavras traduzem, 
mas o que elas podem fazer com suas almas, mentes e corações. 
O que é uma missão e o que cada missão trazida por cada um de vocês representa para si e para a humanidade?
Quando esta missão fará a diferença, mesmo que o tempo pareça emperrado e as luzes do céu parecerem se apagarem?
O que se pode fazer com aquilo que se tem em termos de conhecimento,
que venha fazer a diferença para os que não tiveram a mesma oportunidade que os que me escutam?
Por que esperar o dia de amanhã para dizer: "Vou fazer",
se hoje mesmo cada um poderá iniciar seu projeto de mudança própria,
mudança esta que poderá refletir na mudança alheia?
Não se pode ler e não buscar na leitura, um projeto de emancipação.
São tantos os que me leem e me escutam que apenas olham para o tempo,
como se ele fosse esperar o momento de cada um para prosseguir ponteiro a fora, calendário a dentro...
Muitos dos que esperam são vencidos pela marcha deficiente da mente ilusória,
incapaz de dar o primeiro passo,
em busca da coragem que deve reger o cumprimento da missão ao qual todos estão encarregados de exercer.
Não estou aqui para dizer o que cada um deve fazer,
mas preciso lembrar que cada um precisa pensar sobre o que tem como missão,
e que toda missão não é só a trilha do seu mentor, 
mas também o antídoto de muitos enfermos do intelecto,
dos doentes da falta de oportunidades,
dos reféns do desigual e desonesto panorama socioeconômico.
Não deixem que o tempo consuma suas missões, 
seus propósitos, seus destinos.
Muitos destinos dispersos por aí,
dependem da missão de todos vocês,
especialmente porque abraçaram-na como missão.
Um café para todos por minha conta!!!"

O professor me comoveu tanto com seu discurso que acabei tomando seu café frio, enquanto ele, ao descer da cadeira, com o semblante emocionado, segurou minha mão, com um aperto caloroso, na outra mão o café quente que eu havia pedido, me dizendo:

___ Se essa gente toda aceitar o café que ofereci no final das minhas palavras, algo vai dar errado.
___ Calma professor! Vou pedir outro café para a gente continuar nossa conversa.
___ Vamos de quê agora?
___ Vamos com calma. Tenho um livro meu aqui para lhe mostrar. Acabei de revisar para a publicação.
___ Pois bem. Vamos vê-lo sim!
___ Como o senhor gosta de prosa, pensando esses dias no meu escritório de trabalho...

Fábio de Carvalho [Maranhão]

12/03/2017, 16h - 17h31min- Domingo, Cortês-PE, Escritório de Trabalho [Biblioteca Particular].

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