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terça-feira, 2 de maio de 2017

"Obrigado, Belchior!" / Fábio de Carvalho Maranhão

XIX

Crônica Especial

Belchior, grande artista brasileiro, representou e representa para mim um grande compositor antológico, onde a filosofia, a história, a literatura, a poesia, fazem-se presente em suas canções, me abrindo os olhos e a mente à boa música, à música com raízes poéticas afiadas como faca

A primeira vez que ouvi Belchior não foi através de uma interpretação sua. A canção foi "Apenas um rapaz latino americano" com um cantor que não me recordo o nome, mas de pronto, a pura poesia ficou na minha cabeça e no meu coração. Passado algum tempo, medo de avião veio ao meu encontro, e a partir dali, descobri este grandioso compositor, resistente e ativista da filosofia que adotara para a sua vida como anunciada em várias das suas canções, que de fato, foram prenúncios de muitas coisas que ele viveu em seus últimos dez anos.

Muitas vezes pensei que uma fotografia 3 x 4 não significasse algo além de um recurso para a devida conferência ou identificação em documentos oficiais, mas após ouvir e de tanto escreverem guardanapos em noites de Voz & Violão pedindo esta canção de Belchior, refleti que um dos valores de uma foto tão pequena é a lembrança que nos causa, gerando muitas vezes, saudades de um tempo que parece ter sido plantado no terreno da nossa mente e cultivado pelo próprio coração. Pois bem! Esses e outros tipos de sentimentos me foram despertados ao escutar e meditar nas letras das canções desse Cearense, da cidade de Sobral **

Falando na minha atuação como músico na noite, perdi a conta de quantas vezes iniciei uma apresentação com a canção Divina Comédia Humana, canção que sempre me reportou a uma obra de Dante Alighieri, A Divina Comédia  e a Era Parnasiana da Literatura, fazendo-me viajar nos seus versos como se o universo pesasse em meus ombros e, ao mesmo tempo, um sentimento de liberdade me tirasse todo peso e ao invés de braços, eu tivesse asas, prontas para içar o voo do imaginário libertário.

Pensando bem, eu vou mais longe: Sim! Belchior sempre compôs meu repertório de canções antídotos para os males da solidão, tristeza, inquietude, estranheza e desilusão. Muitas vezes eu me olhei ao espelho e me disse:

___ Escuta Belchior!

Parecia, constantemente, que eu estava "viajando" demais nas suas letras, e em meio às reflexões poéticas e filosóficas, passei a incorporar uma forma de sentir e enxergar a poética de modo transcendente, como uma espécie de radiografia interpretativa das suas letras perpetrasse a estética da arte da qual eu dispunha. 

Quantas vezes, percebendo em versos da Divina Comédia Humana a contagem regressiva da eternidade, corri para meu birô para escrever poesias mais para sentir do que para compreender. Ele, ao evocar Olavo Bilac, acendeu em mim, uma chama de busca não apenas pelo entendimento da história da literatura, mas para a busca incessante do que a poesia pode fazer e em que ela pode nos transformar. 

Angústias e desilusões evaporavam ou reacendiam escutando as canções "Belchioranas". É possível refletir sobre o amor e a paixão como se os dois fossem um só e ao mesmo tempo, distintos. Mas o que eu quero dizer é que Belchior nos convida a interpretar suas letras de modo filosófico, cujas interpretações surgem e penetram nossa alma graças a estética da arte que sua poesia nos provoca. Trata-se de uma estética onde os espíritos sensíveis como os poetas, artistas e pessoas comuns desligadas do interesse material são tomados e levados para outra dimensão psicológica. 

Talvez não tenha sido esta a intenção de Belchior ao escrever suas antológicas poesias. Ao que ficou claro, para ele, isso sempre foi natural. Edgar Allan Poe, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto não faltaram em suas composições permanentes. Às vezes eu falo para mim mesmo:

___ "Obrigado, Belchior, por ter me apresentado esses 'CARAS' "!!!

Mas será que Belchior morava mesmo na filosofia, fazia tudo de novo e dizia sim às paixões que lhes surgiam? Quando ouvi A Palo Seco, refleti sobre a importância de as vezes, convidar-se ao exílio próprio, em tempo necessário, se recompor para compor e recompor outras coisas em outras situações. 

Eu não quero que ninguém Saia do Meu Caminho nem que coisas importantes também saiam. Aprendi isto, quando ouvindo e refletindo, discordei de alguns pontos de vistas do grande cearense, embora tendo eu, concluído, que às vezes, é preciso sair do caminho de algumas pessoas, mesmo que seja por um tempo, pois como eu sempre falo, "É melhor um tempo perdido do que perder o tempo todo", e isso vale para convívios e situações. 

Não sei se quando se vive algo intenso, deseja-se Tudo Outra Vez, como na antológica canção, que narra à vida de tantas pessoas que foram em algum tempo "ilhas" e que perderam companheiros de estradas e de jornadas. Quem nunca não pediu uma carona ou não transou dentro de um carro? É difícil um sujeito não ter sua própria rede para dormir e se balançar tendo ao pé de si, um cão esperto e amigo, não ter se distanciado da vizinhança da sua infância e nunca ter tido uma desilusão amorosa. Essa canção fala disso e fala muito mais. Mas todos nós sempre somos estudantes. Talvez dos livros, mas, sempre da vida. E vejamos que o tempo passa e não volta. Cada qual com um sotaque, um vício de linguagem e os costumes de uma vida talvez simples, mas sempre dispostos a viver coisas novas. "Querer repetir tudo outra vez, talvez seja não querer viver coisas novas". Mas é só talvez, concluí.

Mas tomando emprestado um verso desta que para mim é uma grandiosa poesia, declaro que às vezes, morar na filosofia é cruel, pois quando pensamos e idealizamos, estamos no campo da teoria, e como o próprio declara que não estar interessado em teorias ou em nenhuma fantasia, Alucinação, para mim, como um tipo de paradoxo, falo dela uma filosofia, não porque o compositor assume tal intenção, mas por concordar com os versos de proposição coerente, pois a vida é muito mais do que se pensa.

As vezes me dar pressa de viver, como declarou em Coração Selvagem, mas saindo do campo da alucinação passageira, confirmo minha pressa e urgência, pois se "meu coração(...), como disse Belchior, é como um vidro e um beijo de novela", vejo nesses versos que a brevidade pode vir nos encontrar. Foi pensando nisso que resolvi organizar o que já escrevi até hoje, e publicar, sem que exista diante disso, o espírito da ganância capitalista. Preciso viver para registrar meu legado através também, do que escrevo, componho...

Talvez em tempos presentes, nós não nos sintamos tão angustiados como um goleiro na hora do gol nem precisemos ir a um analista de vez em quando, mas é importante que se saiba que o amor é SIM uma coisa mais profunda que um encontro e uma transa sensual. Mas mesmo assim, é preciso morar na filosofia, buscar alucinações possíveis e reais, acreditar que se pode deixar de ter Medo de Avião e que segurar uma mão te pode fazer se apaixonar até o infinito, mesmo levando consigo a lição da Divina Comédia Humana

Eu me responsabilizo declarando que faço questão de dizer aos meus filhos, que mesmo eles não vivendo como os seus pais, saberão de muitas coisas que aprendi com os discos de Belchior, pois além de tudo, Belchior não foi apenas, ele continua sendo, talvez, não como seus pais foram, mas com certeza, como ele quis e realizou nos discos e nas jornadas, pois como ele próprio falou: "Viver é melhor que sonhar" mesmo que o sinal esteja fechado...

Mas como estamos aqui para viver, que cada um viva de modo que seja possível sentir-se vivo. Construindo, registrando, realizando, sentido dores e sorrindo, sempre buscando sermos as mesmas pessoas, mas com visões diferentes, com ações diferentes, com propósitos diferentes, reconhecendo que é importante "amar o passado", mas pronto para enxergar que "o novo sempre vem".

É por isso que meu Amigo Zé Linaldo, grande artista Palmarense, compôs a canção "Só Você Não Muda": "Agora eu entendo Belchior / Agora eu entendo esses caras / Agora eu entendo porque somem / Por que mudam, porque param / Mas eles são as mesmas pessoas / Amam, choram, riem, sobrevivem / Rogo que estejam bem / Talvez estejam bem melhor...

Concordo com esse grandioso amigo quando diz que "Eu sei que é preciso mudar", mas certamente, preciso saber parar quando for preciso, pois "Eu sei quando é preciso"...


É impossível não dizer: "Depois de Belchior, eu não fui mais a mesma pessoa..." e de vez em quando olhar para o céu ou fechar os olhos e dizer: "Obrigado, Belchior!".



Fábio de Carvalho [Maranhão]
02/05/2017, 18h40min – 19h30min - terça-feira, Cortês-PE, Escritório de Trabalho [Biblioteca Particular]

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