XIX
Crônica Especial
Crônica Especial
Belchior,
grande artista brasileiro, representou e representa para mim um grande
compositor antológico, onde a filosofia, a história, a literatura, a poesia,
fazem-se presente em suas canções, me abrindo os olhos e a mente à boa música,
à música com raízes poéticas afiadas como
faca.
A primeira vez que ouvi Belchior não foi
através de uma interpretação sua. A canção foi "Apenas um rapaz latino americano"
com um cantor que não me recordo o nome, mas de pronto, a pura poesia ficou na
minha cabeça e no meu coração. Passado algum tempo, medo de
avião veio ao meu encontro, e a partir dali, descobri este grandioso
compositor, resistente e ativista da filosofia que adotara para a sua vida como
anunciada em várias das suas canções, que de fato, foram prenúncios de muitas
coisas que ele viveu em seus últimos dez anos.
Muitas vezes pensei que uma fotografia 3
x 4 não significasse algo além de um recurso para a devida conferência
ou identificação em documentos oficiais, mas após ouvir e de tanto escreverem
guardanapos em noites de Voz & Violão pedindo esta canção de Belchior,
refleti que um dos valores de uma foto tão pequena é a lembrança que nos causa,
gerando muitas vezes, saudades de um tempo que parece ter sido plantado no
terreno da nossa mente e cultivado pelo próprio coração. Pois bem! Esses e
outros tipos de sentimentos me foram despertados ao escutar e meditar nas
letras das canções desse Cearense,
da cidade de Sobral **.
Falando na minha atuação como músico na
noite, perdi a conta de quantas vezes iniciei uma apresentação com a canção Divina
Comédia Humana, canção que sempre me reportou a uma obra de Dante
Alighieri, A
Divina Comédia e a Era
Parnasiana da Literatura, fazendo-me viajar nos
seus versos como se o universo pesasse em meus ombros e, ao mesmo
tempo, um sentimento de liberdade me tirasse todo peso e ao invés de braços, eu
tivesse asas, prontas para içar o voo do imaginário libertário.
Pensando bem, eu vou mais longe: Sim!
Belchior sempre compôs meu repertório de canções antídotos para os males da
solidão, tristeza, inquietude, estranheza e desilusão. Muitas vezes eu me olhei
ao espelho e me disse:
___ Escuta Belchior!
Parecia, constantemente, que eu estava
"viajando" demais nas suas letras, e em meio às reflexões poéticas e
filosóficas, passei a incorporar uma forma de sentir e enxergar a poética de
modo transcendente, como uma espécie de radiografia interpretativa das suas
letras perpetrasse a estética da arte da qual eu dispunha.
Quantas vezes, percebendo em versos da Divina
Comédia Humana a contagem
regressiva da eternidade, corri para meu birô para escrever poesias mais para
sentir do que para compreender. Ele, ao evocar Olavo Bilac,
acendeu em mim, uma chama de busca não apenas pelo entendimento da história da
literatura, mas para a busca incessante do que a poesia pode fazer e em que ela
pode nos transformar.
Angústias e desilusões evaporavam ou
reacendiam escutando as canções "Belchioranas". É possível refletir
sobre o amor e a paixão como se os dois fossem um só e ao mesmo tempo, distintos. Mas o que eu quero dizer é que Belchior nos convida a interpretar
suas letras de modo filosófico, cujas interpretações surgem e penetram nossa
alma graças a estética da arte que sua poesia nos provoca. Trata-se de uma estética
onde os espíritos sensíveis como os poetas, artistas e pessoas comuns
desligadas do interesse material são tomados e levados para outra dimensão
psicológica.
Talvez não tenha sido esta a intenção de
Belchior ao escrever suas antológicas poesias. Ao que ficou claro, para ele,
isso sempre foi natural. Edgar
Allan Poe, Carlos
Drummond de Andrade, Fernando
Pessoa, João Cabral de Melo Neto não
faltaram em suas composições permanentes. Às vezes eu falo para mim mesmo:
___ "Obrigado, Belchior, por ter me
apresentado esses 'CARAS' "!!!
Mas será que Belchior morava mesmo
na filosofia, fazia tudo de novo e dizia sim às paixões que lhes surgiam? Quando ouvi A Palo Seco,
refleti sobre a importância de as vezes, convidar-se ao exílio próprio, em
tempo necessário, se recompor para compor e recompor outras coisas em outras
situações.
Eu não quero que ninguém Saia do Meu
Caminho nem que coisas importantes também saiam. Aprendi isto, quando
ouvindo e refletindo, discordei de alguns pontos de vistas do grande cearense,
embora tendo eu, concluído, que às vezes, é preciso sair do caminho de algumas
pessoas, mesmo que seja por um tempo, pois como eu sempre falo, "É melhor um tempo perdido do que perder o tempo
todo", e isso vale para convívios e situações.
Não sei se quando se vive algo intenso,
deseja-se Tudo Outra
Vez, como na antológica canção, que narra à vida de tantas pessoas que
foram em algum tempo "ilhas" e que perderam companheiros de estradas
e de jornadas. Quem nunca não pediu uma carona ou não transou dentro de um
carro? É difícil um sujeito não ter sua própria rede para dormir e se balançar
tendo ao pé de si, um cão esperto e amigo, não ter se distanciado da vizinhança
da sua infância e nunca ter tido uma desilusão amorosa. Essa canção fala disso
e fala muito mais. Mas todos nós sempre somos estudantes. Talvez dos livros,
mas, sempre da vida. E vejamos que o tempo passa e não volta. Cada qual com um
sotaque, um vício de linguagem e os costumes de uma vida talvez simples, mas
sempre dispostos a viver coisas novas. "Querer repetir tudo outra vez, talvez seja não querer
viver coisas novas". Mas
é só talvez, concluí.
Mas tomando emprestado um verso desta que
para mim é uma grandiosa poesia, declaro que às vezes, morar na filosofia é cruel, pois quando pensamos e idealizamos,
estamos no campo da teoria, e como o próprio declara que não estar
interessado em teorias ou em nenhuma fantasia, Alucinação,
para mim, como um tipo de paradoxo, falo dela uma filosofia, não porque o
compositor assume tal intenção, mas por concordar com os versos de proposição
coerente, pois a vida é muito mais do que se pensa.
As vezes me dar pressa de viver, como
declarou em Coração
Selvagem, mas saindo do campo da alucinação passageira, confirmo minha
pressa e urgência, pois se "meu
coração(...), como disse Belchior, é
como um vidro e um beijo de novela", vejo nesses versos que a
brevidade pode vir nos encontrar. Foi pensando nisso que resolvi organizar o
que já escrevi até hoje, e publicar, sem que exista diante disso, o espírito da
ganância capitalista. Preciso viver para registrar meu legado através também,
do que escrevo, componho...
Talvez em tempos presentes, nós não nos
sintamos tão angustiados como um goleiro na hora do gol nem precisemos ir a um
analista de vez em quando, mas é importante que se saiba que o amor é SIM uma coisa mais profunda
que um encontro e uma transa sensual. Mas mesmo assim, é preciso morar na filosofia,
buscar alucinações possíveis e reais, acreditar que se pode deixar de ter Medo de
Avião e que segurar uma mão
te pode fazer se apaixonar até o infinito, mesmo levando consigo a lição da Divina
Comédia Humana.
Eu me responsabilizo declarando que faço
questão de dizer aos meus filhos, que mesmo eles não vivendo como os seus
pais, saberão de muitas coisas que aprendi com os discos de Belchior, pois
além de tudo, Belchior não foi apenas, ele continua sendo, talvez, não como
seus pais foram, mas com certeza, como ele quis e realizou nos discos e nas
jornadas, pois como ele próprio falou: "Viver
é melhor que sonhar" mesmo que o sinal esteja fechado...
Mas como estamos aqui para viver, que cada
um viva de modo que seja possível sentir-se vivo. Construindo, registrando,
realizando, sentido dores e sorrindo, sempre buscando sermos as mesmas pessoas,
mas com visões diferentes, com ações diferentes, com propósitos diferentes,
reconhecendo que é importante "amar o
passado", mas pronto para enxergar que "o novo
sempre vem".
É por isso que meu Amigo Zé Linaldo,
grande artista Palmarense, compôs a canção "Só
Você Não Muda": "Agora eu entendo Belchior / Agora eu entendo
esses caras / Agora eu entendo porque somem / Por que mudam, porque param / Mas
eles são as mesmas pessoas / Amam, choram, riem, sobrevivem / Rogo que estejam
bem / Talvez estejam bem melhor...
Concordo com esse grandioso amigo quando
diz que "Eu sei que é
preciso mudar", mas certamente, preciso saber parar quando for
preciso, pois "Eu sei quando
é preciso"...
É impossível não dizer: "Depois de
Belchior, eu não fui mais a mesma pessoa..." e de vez em quando olhar para
o céu ou fechar os olhos e dizer: "Obrigado, Belchior!".
Fábio de Carvalho [Maranhão]
02/05/2017, 18h40min – 19h30min -
terça-feira, Cortês-PE, Escritório de Trabalho [Biblioteca Particular]
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