Contador de Visitas

contador gratuito de visitas

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Remédio bom é Remédio Caseiro / Fábio de Carvalho Maranhão


Eu passei boa parte da minha vida ouvindo minha Mãe e minha Tia dizendo: “Laranja serve para empachamento”, “É bom comer pelo menos um pedaço da casca da manga que você chupar”, “Lambedor bom é o de  abacaxi”, “Bom mesmo para o fígado é não abusar de óleo, comida velha ou cachaça”, “Quando der azia, chupa limão”, “Soluço se cura com susto”...
*
         Não é de impressionar, pois esses ensinamentos muita gente tem aprendido de geração em geração, e é dessa forma, se redesenha a cresça, a cultura e até a esperança de outros tempos. Vale dizer, que testei cada ensinamento citado acima, e logo pude perceber que escutar os mais velhos é o mesmo que evitar uma guerra ou uma simples indisposição gerada por excessos ou descuidos. Naturalmente, quando se é bem jovem, tudo que nos ensinam vira uma espécie de referência para nós, que em algum momento usaremos na vida prática. Outro dia mesmo, curei o soluço de uma aluna na escola onde trabalho há quase nove anos. A escola Santo Antônio, situada na Zona Rural da Cidade de Cortês, numa Agrovila chamada de Barra de Jangada, terra onde o senhor Severino Rodrigues de Moura residiu por muito tempo, deixando um legado exemplos diversos para quem conhece sua história. Foi seu Moura quem me lançou oficialmente poeta, a pedido de Papai, quando em uma conversa com meu velho, tomando uma cerveja expressei minha vontade de lançar um livro de poesia, e sabendo que seu Severino tinha muito apreço a papai através de Tia Irene, lhe perguntei se ele não poderia falar com ele para me indicar a uma editora, já que naquele tempo, meu conhecimento sobre os caminhos editoriais eram tão rasos quanto o acesso à internet. O tempo passou e papai me levou em Caruarú, em casa do escritor amigo, onde fomos recebidos com muita educação. Lembro que onde seu Moura residia, mesmo em frente à sua casa havia um edifício, se a memória não me falha, chamado Edifício Machado de Assis. Arrepiei-me quando vi, pois àquelas alturas eu já lia o escritor de Dom Casmurro, Helena, Ressurreição, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, A Mão e a Luva, Crisálidas, Falenas e Americanas, Relíquias de Casa Velha entre tantos outros. Eu devorei por inteiro a obra de Machado, e não falo isso com vaidade, mas com orgulho, pois se não fossem essas leituras, eu jamais seria o que sou hoje no campo acadêmico e literário. Até já registrei que o amigo Luizinho foi quem me presenteou com o clássico machadiano, que lançou para nós o desafio de buscar conclusões a respeito da suposta traição de Capitú, cuja personagem, acompanhada de Bentinho, Escobar e Sancha compuseram uma grandiosa página da história da literatura brasileira. Eu entendi aquilo como um sinal superior. Justamente “Machado de Assis”, o edifício?!...
*
         Conversamos cerca de quase quarenta minutos na área externa de visita da casa de seu Moura, e para resumir, essa visita me rendeu uma nota biográfica curta e duas poesias no livro sobre Cortês, intitulado “Cortês, Cidade do Rio e das Serras”, que seu Moura lançara no Salão Nobre da Prefeitura Municipal de Cortês José Valença Borba no ano 2002. Lembro como se fosse hoje: 500 exemplares sobre uma mesa, onde a sua maioria estava autografado para ser entregue após o final do lançamento. A parte lamentável foi que em um dado momento, em parte de um discurso, um ex-prefeito de Cortês fora ofendido, onde não sei se a infelicidade discursiva fora por conta do calor do momento, com objetivo de agradar a outras partes, mas com referências que expuseram a vida pessoal do senhor Eronides Campos, um vereador na época e também irmão do ex-prefeito, levanta-se de maneira clássica, em seguida, cumprimenta algumas pessoas que compunham a mesa e retira educadamente. As pessoas que estavam lá, sabem quem proferiu o discurso, e sem alongar muito essa conversa, registro que lamento profundamente a atitude, porém, sem levar isso comigo como algo que pareça raiva ou tentativa de desconsiderar ninguém. Se fosse comigo, eu faria como falou Chico Xavier quando ele nos disse através do seu guia espiritual “Deixa um sinal de alegria por onde passa”.
*
         Mas retornando aos remédios caseiros, lembro muito bem quando em um período junino, ralamos milho seco para fazer cuscuz sangue puro, tia Irene e eu, fizemos pamonha, canjica, bolo de milho e milho cozinhado. Se houve mais alguma coisa não me recordo. O café não podia faltar. Minha tia não arriava duas garrafas cheias em cima da mesa amarela de quatro cadeiras que havia no começo da cozinha. Dona Ídes, dona Maria da Água se fossem vivas, não me deixariam mentir. Mas tem muita gente ainda que acompanhou essa história e que sentou naquelas cadeiras para tomar café conosco e falar desde as viagens ao Juazeiro até os remédios caseiros. Mas esse dia ficou marcado por causa da prosa que tivemos sobre essas plantas, que no linguajar de tia Irene, eram matos.
*
___ Sabe para que serve pião roxo?
___ Não, titia...
___ Serve para muita coisa, uma das coisas é para proteger a casa, os pés de frutas, até a gente mesmo. Os índios são sabidos nesse assunto.
___ Os índios?
___ Os índios conhecem todo tipo de mato e para que cada um serve. Mas o mais importante não é só conhecer e saber para que cada um serve, é bom saber fazer os remédios.
___ É difícil, titia?
___ O tempo ensina, Fábio...
*
         Após cada dedo de prosa, eu aprendia mais uma coisa com tia Irene. Ela como era de idade sabia muito bem o que estava dizendo. Eu, bem jovem, acreditando e tomando nota mental de tudo, tive a oportunidade de ampliar meu conhecimento acerca de muita coisa que muita gente hoje, na minha idade, não sabe... Mas o mais interessante de tudo isso, é que uma coisa ficou na minha mente, e que eu faço questão de registrar para que, quem tomar conhecimento, faça uma reflexão, e que essa reflexão seja válida à sua vida prática.
         Tia Irene me contou uma história. A história se passou a pelo menos, contando da data em que ela me havia contado, uns cinquenta e seis ou cinquenta e oito anos. Aconteceu no engenho Cruz, onde meu bisavô Guilherme Felipe Teixeira e minha bisavó Lídia Teixeira de Carvalho criaram dentre seus filhos, Irene, Rogaciano, Julivaldo e Felisberto, meu avó, pai da minha mãe, além de Eládio, que falecera aos cinco anos de idade e mais quase vinte filhos adotivos entre sobrinhos, afilhados e outros que não tiveram a bênção de serem criados pelo pai e pela e pela mãe. Tia Irene, sendo a mais velha, ajudou a criar todos e deu continuidade a prática angelical, cuja sentença maior, foi lhe dada por Deus, em viver uma vida de caridade. Terminou seu feito, comigo sendo o último sobrinho que ajudou a criar e a educar, na casa em que hoje resido, na avenida São Francisco, em Cortês-PE, parte do chão da minha infância e juventude, pois a outra parte é na rua Padre Antônio Borges, onde meu papai e minha mãe construíram o lar da nossa convivência e construção das nossas vidas. Mas voltando a história, - e que história!! -, vou encher uma xícara de café para tomar fôlego e escrever pela primeira vez uma narrativa sobre essa prosa, que tanto me ensinou quanto me fez enxergar algumas coisas além, coisas essas que só passamos a perceber ou a compreender ou quando a experiência nos pesa os ombros ou quando alguém nos abre os olhos e escreve em nossas vidas uma parte da sua história ao dividir suas próprias experiências...
*
         Antes do meio dia de um dia de meio de semana, estavam todos sentados à mesa para almoçarem. Tanto minha vó quanto minha tia tinham muitos afilhados e afilhadas, e como era de costume, talvez uma questão cultural da época, as casas dos padrinhos sempre recebiam visitas dos afilhados e afilhadas constantemente, fato que hoje é muito diferente, até porque as relações humanas tem sido modificadas por muitos motivos, entre eles, como diria um sambista carioca, uma constante crise da consideração. Até mesmo a famosa profecia da gentileza não é posta em prática. O profeta se foi, deixou a mensagem, porém, a coisa anda muito diferente do que deveria ser. Aquele dia ficou marcado para minha tia, pois lhe levaram um dos seus afilhados, no engenho, em pleno meio dia, justamente antes de todos terminarem o almoço, ela com seu jeito, só sentava para almoçar quando todos já estavam sentados e servidos. Demorou mais do que o habitual, e como se pressentisse algo, não havia chegado fome àquelas alturas. A história se inicia quando falou sobre esse afilhado que segundo ela e todos que residiam no Cruz e nas redondezas, dava muito trabalho ao seu pai, o senhor Jacobino, conhecido por seu Jacó e seu Bino, cortador de cana e tirador de conta, e dona Higina, conhecida pela maioria por dona Galega. Ele, um afrodescendente trabalhador, ela uma galega, descendente de portugueses, escrava do rio onde lavava roupas e as louças e do fogão de lenha. Falavam que ela gostava de se divertir na calada, até falaram que o filho Juvenal Higino não era filho de seu Jacó. Mas isso já é outra história, e a história que Tia Irene me contou é curta, mas deixa uma lição para a vida. Ela começou a história me dizendo que...
*
___ Naquele tempo, sabe como era que as pessoas resolviam problemas com quem andava fazendo mal feitos?
*
Dei com os ombros para cima.
*
___ Pois é. O menino de comadre Higina era buliçoso. Gostava de mexer no que era dos outros. Não faltava corrigenda de compadre Jacó. Outro dia mesmo ele veio aqui conversar com pai para pai dá conselhos a ele. Ele só respeitava pai, mãe e eu. O resto para ele era coisa qualquer. Não sei porque Juvenal aprontava tanto. Não podia ver uma galinha. Gorda ou magra ele passava a mão. Não sei quem ensinou àquele menino a fazer cabidela. Uma vez ele trouxe uma porção para pai e mãe numa panelinha de barro, já para mim foi numa panela de alumínio, sem o sangue, pois ele sabia que eu não gostava de molho pardo, e lembrando isso, quis agradar a sua madrinha. Dias depois só ouvimos os gritos no terreiro: “Ladrão de galinha!”, “Pega o ladrão de galinha!”... Naquela hora que me arrepiei e lembrei-me da galinha guisada e da cabidela. Fui me confessar no outro dia. Não dormi àquela noite.
*
         O menino Julião era mão leve. E como naquele tempo se resolvia ou considerando o pai e a mãe de quem praticava essas coisas ou o buraco era mais embaixo. A confusão foi grande...
*
___ Não se pode mexer nas coisas dos outros, Fábio! Não esqueça disso!
___ Eu sei, tia! Não vou esquecer isso não.
*
         O desfeche da história foi lamentável. Passados quase três meses da saída do senhor Jacobino e de dona Higina, Julião ficou perambulando no Cruz, chegando para visitar meu bisavô e minha bisavó sempre nas horas das refeições, depois sumia e só chegava no horário da refeição seguinte. Dormia na choupana que fora dos seus pais, mas todo o resto era na casa da minha família. Casa com 18 janelões, três salas, duas cozinhas, 8 quartos, alpendre, área de fundos... Era uma verdadeira mansão. Meu avô tinha um barracão, e vendia com frequência a toda aquela gente que chegando com ou sem dinheiro, levavam a mercadoria. Meu bisa Guilherme nunca negava uma venda a seu ninguém e ninguém lhe passava caranha. Outro dia eu ouvi em surdina, que um homem que devia um valor lá na venda, após ter desencarnado, apareceu com uma moeda na mão direita para pagar a dívida. Não sei como se deu se deu o desfeche dessa conversa, pois quando tia Irene conversou isso com minha mãe eu era muito pequeno, por isso só me lembro desse detalhe. Mas entre as idas e os sumiços aquele foi o ultimo dia em que ele visitou o chalé do Engenho Cruz...
*
___ De tanto mexer no que era dos outros, chegou lá em casa, no engenho, na frente do alpendre principal, dentro de um saco enorme, uma espécie de matulão, só que daqueles que aparece na música de Luiz Gonzaga, onde cabe tudo dentro dele. Mas o pior não foi isso. Julião chegou sendo arrastado dentro de um saco através de um cavalo. A cena foi horrível. Mãe chorou feito uma desesperada. Pai ficou ao pé do Alpendre, no lado direito. Coçou mais a cabeça do que se tivesse piolho ou pulga-de-bicho. Ninguém contestou nada. O sujeito que o arrastou nada tinha que ver com isso. Ele apenas mirou nos olhos dos olhos de Pai e disse as seguintes palavras.
___ Não foi falta de aviso, não foi seu Guilherme?
*
         Foi-se cedo. Não deu tempo sequer ver um filho nascer ou algo mais. Meu avô, como quem não pensasse para falar, disse apenas que quando uma andorinha se separa das outras, é sinal positivo e negativo. Lembro que uma vez Tia Irene me explicou melhor isso que chamo de aforismo.
*
___ O que ele quis dizer, Tia Irene?
___ Disse que o caminho está aí, e que só nós podemos escolher a direção que quer caminhar. Só há dois caminhos. O primeiro é o da escolha. O segundo, também o da escolha... Ou vai por aqui ou vai por ali...
*
Recebi aquelas palavras como mais um conselho da minha Tia. Palavras serenas, que falavam de escolhas, maturidade, caminhos. Eu pude entender a preocupação da minha Tia em querer me contar essa história. Triste história que acabou tão cedo e que poderia ter tomado outro rumo, mas como nem todos escolhem o melhor caminho...
*
Lembro-me que terminamos a conversa falando dos melhores remédios para sinusite além de alguns procedimentos, como limpeza nasal, inalação, chá de eucalipto, entre tantas outras podem ajudar a diminuir os efeitos de uma crise.
*
___ Estais vendo esse suco de espinafre?
___ Estou vendo, Tia!
___ Vamos tomá-lo, que é bom para fazer a digestão, serve para inflamações, ajuda a manter e a saúde dos ossos.
___ Vamos sim, Tia.
___ Está vendo aquele mato ali?...
*
Fábio de Carvalho Maranhão
Cortês-Pernambuco, quinta-feira, 30 de maio de 2019 (00h05min – 01hs13min) – Biblioteca Particular / Escritório de Trabalho.
*

Nenhum comentário:

Postar um comentário